quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Peter G. Klein - Menger, o Revolucionário

Carl Menger
Nunca viveram ao mesmo tempo", escreveu Ludwig von Mises, "mais que uma vintena de pessoas cuja contribuição à ciência econômica pudesse ser considerada essencial." Um desses homens foi Carl Menger (1840-1921), Professor de Economia Política da Universidade de Viena e fundador da Escola Austríaca de Economia.

A obra pioneira de Menger, Grundsätze der Volkswirtschaftslehre [Princípios de Economia Política], publicada em 1871, não apenas introduziu o conceito de análise marginal, como também apresentou uma abordagem radicalmente nova sobre a análise econômica, análise essa que ainda forma o núcleo da teoria austríaca do valor e dos preços.

Ao contrário de seus contemporâneos William Stanley Jevons e Leon Walras, que independentemente desenvolveram conceitos de utilidade marginal durante os anos 1870, Menger preferiu uma abordagem que fosse dedutiva, teleológica, e, em um sentido fundamental, humanística. Conquanto Menger compartilhasse com seus contemporâneos a preferência pelo raciocínio abstrato, ele estava primordialmente interessado em explicar como funcionavam as ações de pessoas reais no mundo real, e não em criar representações artificiais e estilizadas da realidade.

Para Menger, a economia é o estudo das escolhas propositais dos seres humanos, a relação entre meios e fins. Ele começa seu tratado dizendo que "Todas as coisas estão sujeitas à lei da causa e efeito. Não existe exceção para esse grande princípio." Jevons e Walras rejeitavam causa e efeito em favor de uma determinação simultânea - a idéia de que sistemas complexos podem ser modelados como sendo sistemas de equações simultâneas que acreditam que nenhuma variável pode "causar" uma outra variável. Essa se tornou a abordagem padrão da ciência econômica atual, e é aceita por quase todos os economistas, exceto os seguidores de Carl Menger.

Tradução de Leandro Roque. Texto completo em: Instituto Ludwig von Mises.

sábado, 10 de dezembro de 2011

J. J. Rousseau: A Questão da Desigualdade Social


Desde seu aparecimento a obra de Rousseau tem despertado o interesse dos mais variados tipos. Sua oposição a Hobbes se tornou emblemática no âmbito do contratualismo e suas teses sobre a desigualdade inspiraram teóricos sociais a ponto de Claude Lévi-Strauss, o famoso antropólogo, ter considerado o autor do Discurso como fundador das ciências do homem:

Rousseau não foi apenas um observador perspicaz da vida do campo, um leitor apaixonado de livros de viagem, um analista competente dos costumes e das crenças exóticas: pode-se afirmar, sem receio de ser desmentido, que essa etnologia, que até então não existia, ele a havia concebido, desejado e anunciado, um século inteiro antes que ela surgisse. (LEVI-STRAUSS, 1962 apud ROUSSEAU, 1985, p. 175)

O contratualismo de Jean-Jaques Rousseau se distancia bastante da perspectiva hobbesiana não somente pela contrariedade manifesta das conclusões, mas sobretudo pelo espírito crítico que o anima. Se não foi um revolucionário, no sentido atual do termo, Rousseau foi sem dúvida um inconformado com a situação de penúria e exploração a qual uns homens submetem outros em função de seu poder político e econômico. Por isso, o correto entendimento do ponto de vista desenvolvido em O Contrato Social depende em grande parte se compreender a centralidade que o problema da desigualdade social ocupa na obra do filósofo. O estudo do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, parece, portanto, fundamental na compreensão do seu pensamento político.

Assim como Hobbes, Rousseau parte da hipótese de um “estado de natureza” para construir sua filosofia política. Tal hipótese é, nele, desenvolvida em toda primeira parte do Discurso, a fim de mostrar o abismo existente entre o homem tal como o podemos apreender em sua vida social e o homem natural. Para Rousseau, em estado natural, o homem é desprovido de todas as características que implicam na sociabilidade, razão pela qual não há motivo, senão o acaso, para que tenha ele adquirido as características de um “animal social”. Não é necessário, contudo, perguntar-se em que tempo ou lugar tais homens poderiam ser encontrados. O próprio Rousseau deixa claro que o homem natural não tem existência histórica, que trata-se de um estado “que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que provavelmente não existirá jamais” (ROUSSEAU, 1958, p. 42)

Se Rousseau não quer postular uma existência histórica para o homem natural, não deixa contudo de recorrer insistentemente aos relatos de viagem sobre os selvagens do Novo Mundo. É que, não personificando o estado natural do homem, os selvagens estão, contudo, mas próximos deste, uma vez que cada novo grau de civilização implica, para o filósofo, num maior afastamento e degradação do homem. 

Partindo do homem natural, portanto, Rousseau traça uma linha evolutiva a partir dos primeiros desenvolvimentos em termos de civilização e socialidade, o que implica também na construção da própria desigualdade, do conflito e de todos os males que afligem a espécie, até chegar ao homem moderno, o europeu plenamente civilizado e consequentemente corrompido.
Nessa escala evolutiva, a origem da sociedade se confunde com a da própria desigualdade. Enquanto que no Contrato Social o filósofo descreve dois fatos distintos: o homem enquanto produto da natureza e o homem como produto da sociedade, sem se preocupar em estabelecer como foi possível a passagem de um a outro estado, no Discurso justamente Rousseau se esforça, através de várias hipóteses e conjecturas, para resolver esse problema. Se o homem não é naturalmente sociável, como pensava uma longa tradição que remonta a Aristóteles, porque a integração social parece ter se tornado o inevitável caminho da história humana? De modo que as teses do Contrato e do Discurso são complementares entre si, embora devam ser tratadas em dois momentos distintos. Assim, embora ao princípio do Contrato Rousseau afirme ignorar as causas da servidão humana[1], é certo que tais causas já haviam sido estabelecidas no Discurso. Pare inclusive haver certa dependência entre os dois textos, pois se o grande tratado visa investigar as convenções que legitimam a desigualdade, já parte ele do juízo de que tal desigualdade não foi estabelecida ou querida pela natureza, mas é produto dessas convenções cuja origem é preciso determinar.

Nesse sentido, enquanto a primeira parte do Discurso se ocupa da descrição do homem em estado de natureza, a segunda parte busca determinar as causas mediante as quais o homem teve que sair desse estado de primitiva felicidade e abundância para o estado de sociabilidade. Diz o filósofo:

O primeiro que, tendo cercado um terreno, arriscou-se a dizer: “isso é meu”, e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado a seus semelhantes: Fugi às palavras desse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos pertencem a todos, e que a terra não é de ninguém. (ROUSSEAU, 1985, p. 84)

Assim, o filósofo parece creditar ao desenvolvimento da propriedade privada o fundamento da desigualdade entre os homens. Mas, embora enuncie deste modo sintético, sua tese no início da segunda parte do Discurso, desenvolve-a subsequentemente de modo a mostrar os eventos que possivelmente tiveram que se passar para que o homem abandonasse seu estado de liberdade natural para integrar-se numa sociedade sob um governo.

A partir de eventos naturais e das necessidades deles decorrentes, Rousseau postula uma primeira diferenciação entre os homens até então iguais. As condições naturais adversas, exigiram do homem certa industria e da relação entre seu trabalho e natureza engendram nele as primeiras diferenciações e os primeiros impulsos para a sociabilidade[2]. Parece haver aqui, ao que tudo indica, um salto da condição natural do homem para um condição média, posterior àquela mas anterior à condição social da civilização. A figura do selvagem parece, pois, exercer essa função mediadora entre o tipo puro do homem natural e o homem social, de tal modo que na descrição deste estágio da evolução das formas sociais, Rousseau parece assimilar o que fora o homem deste tempo hipotético ao que são os selvagens do mundo recém descoberto:

Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a coser suas vestimentas de peles com espinhos ou ossos de peixe, a se ornar com plumas e conchas, a pintar o corpo com diversas cores, a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a talhar com pedras afiadas algumas embarcações para pescar ou alguns grosseiros instrumentos musicais; enfim, enquanto só se dedicaram a trabalhos que podiam ser feitos por uma só pessoa, e artes que não exigiam o concurso de várias mãos, eles viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto quanto podiam ser por sua natureza, e continuaram a desfrutar entre si das comodidades de um comércio independente. Mas, a partir do momento em que um homem precisou do auxílio de outro; a partir do momento em que se aperceberam ser útil a um só possuir provisões para dois, a igualdade desapareceu, a propriedade introduziu-se, o trabalho se tornou necessário. (ROUSSEAU, 1985, p. 92-93)
           

Como que em decorrência da propriedade e da divisão do trabalho, os homens agora aparecem desigualmente dotados de riqueza e é esta desigualdade de posses que está no fundamento da sociedade civil, do governo e de todas as prerrogativas e desigualdades posteriores, pois, para Rousseau, o contrato que funda a sociedade e estabelece um governo é um produto da astúcia dos ricos para conservar suas posses muito mais do que do temor dos pobres para protegerem suas vidas. O fundamento da desigualdade entre os homens parece estar, então, na propriedade privada e no trabalho. Tal será a hipótese com a qual trabalharemos.


[1] “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão.” (Rousseau, 1962, p. 20)
[2] Cf. Rousseau. op. cit. p. 86


Referências
ROUSSEAU, Jean-Jaques. O Contrato Social; tradução de Lourdes Santos Machado. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.

______________________. Da sociedade Geral do Gênero Humano; tradução de Lourdes Santos Machado. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.

______________________. Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens; tradução de Iracema Gomes Soares e Maria Cristina Roveri Nagle. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

______________________ Cartas escritas da montanha; tradução de Constança Peres Pissara et al. São Paulo: EDUC: UNESP, 2006.