sábado, 20 de novembro de 2010

Ética ( I ) - Algumas visões

Estoicismo

Tanto o estoicismo quanto o epicurismo são correntes filosóficas que se desenvolveram no chamado período helenístico, uma época de decadência da cultura clássica grega.
A ética estóica estabelece a virtude como o único bem da vida humana. Para os estóicos, representados por Zenão de Cécio (336-164 a.c.), Sêneca (4-65 d.c.) e Marco Aurélio (121-180 d.c.), viver de acordo com a virtude significa viver de acordo com a própria natureza, ou seja, viver de acordo com a razão. Assim, recomendavam os estóicos o domínio sobre os afetos e inclinações que constituíam para eles o lado patológico da realidade humana. Nesse caso, sendo a virtude o único bem, o vício constituía para eles o único mal a ser evitado.
O epicurismo é a segunda das correntes de pensamento eticamente relevantes do período helenístico. Para Epicuro (341-270 a.c.) o bem supremo é a obtenção de prazer na ação humana, motivo pelo qual é considerado o inaugurador do hedonismo. Em seu pensamento, a felicidade confunde-se com o prazer do indivíduo. Contudo, para o filósofo entre todos os prazeres que o ser humano pode alcançar os mais elevados e duradouros são os prazeres do espírito. Assim, entre os prazeres do corpo e os prazeres do espírito, entre os prazeres violentos e os prazeres serenos, o epicurismo inclina-se para os últimos, recomendando moderação e equilíbrio racional entre as paixões e sua realização.

Idade Média

Durante a Idade Média, ao contrário do que foi por muito tempo divulgado, houve um notável desenvolvimento científico, cultural e intelectual, principalmente entre os séculos XII e XV.
As invasões bárbaras que deram fim ao Império Romano do Ocidente no século V levaram a população urbana a refugiar-se no campo, o que enfraqueceu o poder dos reis e possibilitou o surgimento de um novo tipo de relação, a vassalagem. A servidão substitui a escravidão e o cristianismo se consolida como religião da Europa. Todas essas mudanças influenciaram profundamente o modo como se pensava e se agia.

Ética cristã

A ética cristã pode ser conceituada como a tentativa de estabelecer de forma coerente e sistemática os padrões de comportamento humano segundo os preceitos do evangelho.  Durante a Idade Média os pensadores cristãos tentaram conciliar esses preceitos com os ensinamentos dos filósofos pagãos da Grécia Antiga (principalmente Platão e Aristóteles) de onde se originaram duas grandes obras, a de Santo Agostinho e a de São Tomás de Aquino.

A Idade Moderna

Com o enfraquecimento dos senhores feudais e o fortalecimento da monarquia, os reis se aliam à burguesia na conquista do Novo Mundo.  A Idade Moderna aparece marcada pelas transformações decorrentes do aquecimento da economia em função da descoberta de novas terras. A aliança que possibilitou essas descobertas é chamada pelos historiadores de Antigo Regime, sua característica fundamental é a centralização do poder político nas mãos do soberano.
Como não podia deixar de ser, essas mudanças repercutiram no pensamento europeu.

A Idade Contemporânea

A Revolução Francesa que pôs fim ao Antigo Regime inaugura a Idade Contemporânea. Liderada pelo grupo de comerciantes que surgiu no final da Idade Média, a burguesia, e que durante a Idade Moderna detinha apenas o poder econômico, a Revolução foi responsável por estabelecer um novo ordenamento social e político, no qual a burguesia assumiu seu papel central.
O iluminismo é o traço fundamental do pensamento que se liga à Revolução Francesa, mas paradoxalmente a contemporaneidade será a época também de contestação desses ideais. 

Nietzsche

O pensamento de Friedrich Nietzsche é quase inteiramente atravessado por questões morais e éticas: pensar sobre os valores e estabelecer novos valores consistia para ele a tarefa própria do filósofo. Nietzsche parte de um diagnóstico severo da cultura Ocidental. Para ele, a moral que prevaleceu no Ocidente é uma moral de escravos quer ela se mostre como arraigada no cristianismo e no judaísmo, quer ela seja fundamentada e advogada pela própria filosofia. Ao lado do cristianismo, a metafísica platônica que esta na origem e no desenvolvimento do pensamento ocidental é considerada um ideal de degradação do mundo sensível e da vida em prol de um mundo inteligível ou divino. Para o filósofo o cristianismo, ao pregar a salvação da alma em um mundo de felicidade eterna, um paraíso para eleitos, depreciaria o mundo terrestre e a vida humana concebendo-os como aparentes, provisórios e inautênticos. Nesse sentido, o cristianismo nada mais seria que uma vulgarização do platonismo, um “platonismo para o povo”, já que Platão estabeleceu um mundo de Idéias perfeitas em contrate com o mundo sensível.
Para Nietzsche, na origem da cultura ocidental há, portanto, uma inversão dos valores, uma substituição dos valores afirmativos dos nobres e senhores pelos valores dos escravos. O que o filósofo chama de “revolta escrava” na moral é o movimento pelo qual os mais fracos e menos aptos à vida, concebem seus valores por oposição aos fortes e saudáveis e, assim fazendo, erigem um ideal contrário à vida terrena.
Dado este diagnósitico da cultura, Nietzsche se impõe a tarefa de “transvalorar todos os valores”, ou seja, de denunciar os valores dados como contrários à vida e preparar assim um retorno aos valores autênticos, o que equivale a instituição de valores que afirmem a vida.

Sartre

Para Sartre o homem é definido pelo que faz de si mesmo, o homem é antes de tudo um projeto cuja essência só pode ser construída na existência. A responsabilidade é a dimensão fundamental da vida humana decorrente de sua liberdade. No existencialismo sartreano o homem é responsável por aquilo que faz. Ao escolher, escolhe também toda a humanidade pois escolhe a imagem do homem tal como julga que ele deve ser.
Ao agir, contudo, o homem não pode evitar a angústia, ou seja, o sentimento de que de sua liberdade decorre uma profunda e total responsabilidade por seu ser e pelo caráter da humanidade. É o próprio fato de estar lançado, abandonado no mundo que constitui ao mesmo tempo a abertura para as possibilidades do humano e sua angústia frente ao fato de ter sempre que escolher.
A ética sartreana pode ser caracterizada como uma “ética da liberdade” pois a liberdade é a dimensão fundamental do homem. Ela não se exerce porém em abstrato, não é puramente formal como a liberdade inteligível de que falava Kant. A liberdade agora aparece no interior da vida cotidiana, numa situação histórica e social determinada que pode ser assumida ou rejeitada pelo homem, mas que sempre lhe reclama uma decisão, uma escolha. Uma vez que Deus não existe, o homem deve inventar seus próprios valores, legislar sobre sua própria conduta e realizar-se como humano em consonância com a imagem da humanidade implicada por sua ação. Este é o sentido do humanismo existencialista concebido por Sartre.



quinta-feira, 18 de novembro de 2010

NIETZSCHE ( IV ) - Superação da Metafísica

Na medida que Nietzsche, com o anúncio da morte de Deus, traça o limite da metafísica em que o mundo supra-sensível se torna uma mera fábula, desmoronando por obra humana, faz-se necessário que nos detenhamos a considerar o lugar de onde o filosofo faz tal anúncio, ou seja, sua posição essencial em relação à metafísica. Nada mais obvio é supor que aquele faz a experiência do fim da metafísica, anunciando seu fim, já não mais pertence a essa forma de saber. Mas justamente aqui o obvio poderia nos enganar. Se Nietzsche, invertendo a metafísica platônica leva-a ao acabamento não seria isso sinal de que ainda participa da sua história ao menos como personagem final? É nesse sentido histórico que o fim da metafísica se transforma em seu acabamento, quando se recolhe sobre sua própria história e encerra as possibilidades de sua subsistência.
            Deparamo-nos com duas possibilidades distintas de pensar o fim da metafísica através da radicalização do pensamento de Nietzsche: a primeira considera o pensamento nietzscheano como a inauguração de uma nova forma de pensar sem metafísica através do método genealógico, esta encontra ressonância entre os principais comentadores e filósofos da obra de Nietzsche. Por outro lado, pode-se considerar como foi dito que a inversão do platonismo, segundo o qual Nietzsche tenta pensar o mundo de forma unitária, ainda permanece, historicamente, como episódio final da história da metafísica, esta, cujo estatuto não encontra, aparentemente, justificativa na filosofia de Nietzsche concede o estatuto do presente trabalho e da nossa pesquisa de modo geral. Para tanto, recorreremos seus ao conceito mais originário (genético) de sua obra: a Vontade de Poder [Wille zur Macht][1], e nos dirigiremos ao pensador que propriamente pretendeu revelar o caráter metafísico do opus nietzscheano: Martin Heidegger.
            Em vista disso, recorreremos à interpretação heideggeriana do pensamento de Nietzsche e, expandindo os horizontes de nossa pesquisa, traçaremos os pressupostos da metafísica nietzscheana através da reinserção da mesma no conjunto da tradição metafísica ocidental de Platão à Descartes, visto que, para compreendermos como é possível conceber Nietzsche como o último metafísico, é necessário percorrer novamente, e em linhas gerais, a história da metafísica tal como é entendida por Heidegger. A primeira parte do presente trabalho atém-se, portanto à perspectiva heideggeriana da história da metafísica enquanto história do esquecimento do Ser [Seyn][2], a fim de buscar nas suas origens gregas os pressupostos de seu acabamento em Nietzsche. Antes, porém, tentaremos introduzir brevemente o conceito a ser estudado.
            O termo vontade já aparece desde O Nascimento da Tragédia, utilizado sempre no sentido schopenhaueriano, o que poderia nos levar a crer que a vontade de poder – enquanto conceito próprio do pensamento de Nietzsche – tem sua origem na influência exercida por Schopenhauer sobre a primeira fase do pensamento nietzscheano. Contudo, não devemos exagerar a proximidade de Nietzsche e Schopenhauer, sua influência, na verdade, encerra-se na primeira fase da obra de Nietzsche, sendo rejeitada subseqüentemente. Fato é, porém, que os escritos da primeira fase, apesar de já demarcarem o campo de embate da crítica nietzscheana à moral e à metafísica – como em Humano demasiado Humano, de 1878 – ainda deixam os alvos de seus ataques se dispersarem pelo espaço ainda não sistematizado de seu procedimento. O embate sistemático, através da reunião de todo o pensamento em direção a um núcleo conceitual, só se tornará possível com os conceitos oriundos da radicalização do procedimento genealógico a partir de Assim falava Zaratrusta de 1884.
            A chamada “fase de reconstrução” inicia-se com o Assim falava Zaratrusta e com os novos conceitos que, a partir do método genealógico, centralizam a critica nietzscheana e o seu pensamento de modo geral diante dos mais diversos objetos abordados: “os novos conceitos que surgem a partir do Zaratrusta – a vontade de poder; eterno retorno  e além-do-homem – constituem o diferencial que permitirá a Nietzsche referir-se a uma linguagem própria para tratar de assuntos próprios.”(PASCHOAL, 2003: 39) As obras posteriores ao Zaratrusta organizam-se genealogicamente em torno da vontade de poder compreendida como vontade orgânica. Tal concepção dá subsídios à crítica nietzscheana dos valores morais e ao projeto de transvaloração de todos os valores, uma vez que, a vida concebida como vontade de poder estabelece um o estatuto de uma valoração segundo a impossibilidade de ser ela mesma avaliada. Assim a vida como valor ultimo aparece como fundamento de uma critica aos valores morais e metafísicos. Tal aspecto do biologismo de Nietzsche já se faz presente desde o aparecimento do conceito de vontade de poder, quando o filósofo concebe, tal como nos indica Scarlett Marton:
“a vontade de poder como vontade orgânica: ela é própria não unicamente do homem, mas de todo ser vivo, mais ainda: exerce-se nos órgãos, tecidos, e células, nos numerosos seres vivos microscópicos que constituem o organismo”(MARTON, 2001:20).
Nesse sentido, quando Nietzsche afirma que a vida é vontade de poder, isso quer dizer primeiramente que ela: “deseja fundamentalmente um máximo de potência; não propriamente uma conservação ou uma adaptação, mas um aumento, uma expansão, uma intensificação de potência” (MACHADO, 1985: 79). Tal definição que nos fornece Roberto Machado deixa claro não só o caráter da vontade de poder, pensada biologicamente, como também, a distância do pensamento de Nietzsche de qualquer tipo de darwinismo.
            Embora nos primeiros escritos em que aparece a vontade de poder seja identificada à vida, tal identidade será inflexionada a partir de uma gradativa universalização do conceito, que já poder ser observada em Além do bem e do mal e nas obras posteriores. A vontade de poder, como nos indica Scarlett Marton, “aparece agora como explicação do caráter intrínseco da força”(MARTON, 2001: 20).
            Em Além do bem e do mal, obra imediatamente posterior ao Zaratrusta e que reúne praticamente todos os temas e ramificações da filosofia de Nietzsche – da crítica á moral e à metafísica a curiosos aforismos sobre sexualidade e mulheres –, a vontade de poder aparece de forma ainda mais universal e abrangente. Encontraremos nela a problemática afirmativa que se encontra no cerne de nosso trabalho: “o mundo visto de dentro, o mundo definido e designado conforme seu ‘caráter inteligível’ – seria justamente ‘vontade de poder’, e nada mais” (NIETZSCHE, 1992:43). Tal afirmação que também encontramos ainda em um dos fragmentos póstumos, é o que nos autoriza a pensar a vontade de poder enquanto doutrina ontológica, ou seja, a totalidade do ente efetivamente presente (o mundo) e por isso mesmo visível ao intelecto (inteligível). Isso significa é claro uma inversão do pensamento platônico – como o próprio Nietzsche afirmou –, mas talvez não signifique uma ruptura com a metafísica, e sim sua inversão e seu acabamento.
            Heidegger tomará não apenas o fragmento citado, mas também outras obras e diversos fragmentos póstumos que deveriam, segundo ele, formar o corpo da principal obra de Nietzsche, A vontade de poder, para elaborar sua leitura da filosofia nietzscheana e postular seu primado ontológico. É preciso considerar, antes de tudo, que a interpretação heideggeriana obedece a parâmetros de uma hermenêutica na qual a pretensão de objetividade é abandonada em favor de uma singular forma de compreensão que rege as leituras de Heidegger não apenas da obra de Nietzsche, como também de todos os filósofos que se propôs a comentar e da tradição filosófica como um todo. Nesse sentido, a afirmação do caráter metafísico da vontade de poder, antes de constituir-se como uma mera leitura visivelmente deturpada do pensamento de Nietzsche, configura-se como um dos pontos fundamentais da passagem do primeiro para o segundo Heidegger e da compreensão do filosofo de sua própria época como “era da técnica” e da subjetividade incondicionada do super-homem em que seu domínio espalha-se pela terra em meio à fuga dos deuses e o predomínio da tékhné. O motivo do acabamento da metafísica através do pensamento de Nietzsche permitirá a Heidegger abrir seu filosofar para o horizonte da superação da metafísica e do niilismo, conduzindo-o através de suas conferências á “passagem para o poético” e ao abandono da ontologia fundamental no fim de sua vida. O que nos interessa, entretanto, neste trabalho são as condições de possibilidade da leitura heideggeriana de Nietzsche e sua justificação perante as obras do próprio filósofo, o que devemos encontrar nos postulados de sua hermenêutica e nas suas próprias afirmações sobre o caráter de sua interpretação.
           
           
           
           
           
           


[1] O termo Wille zur Marcht é traduzido normalmente como Vontade de Poder ou Vontade de Potência. Traduções mais antigas ainda podem trazer a forma Vontade de Domínio. No presente trabalho utilizamos a forma Vontade de Poder por se adequar melhor ao trabalho a ser realizado.
[2] Heidegger caracteriza a metafísica como história do esquecimento do Ser, uma vez que no seu estatuto o ser é sempre pensado em direção ao ente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Heidegger ( I )

A obra de Martin Heidegger é uma das mais significativas do século XX, não apenas pela influência que exerceu sobre o pensamento posterior, mas muito mais, pela originalidade de sua filosofia. Desde Ser e Tempo [Sein und Zeit], seu mais conhecido e fundamental tratado, seu pensamento se direciona pela tentativa de recuperação da questão sobre o sentido do Ser, considerada por ele a primeira em dignidade não apenas no âmbito de uma ontologia, como também pela própria experiência humana enquanto pré-sença [Da-sein].
O primeiro capítulo de Ser e Tempo é dedicado ao resgate da questão sobre o sentido do ser e o estabelecimento de seu primado e de sua urgência, embora tenha sido abandonada pela tradição: “Assim o que, encoberto,  inquietava o filosofar antigo e se mantinha inquietante,  transformou-se em evidência meridiana, a ponto de acusar quem ainda levantasse a questão de cometer um erro metodológico.”(HEIDEGGER, 2002: 28). O preconceito a que Heidegger se refere é a sentença: “o ‘ser’ é o conceito mais universal e mais vazio” (Id. Ibid. p.27). A trama dos preconceitos que ao longo do tempo se depositou e se multiplicou na tradição filosófica ocidental impediu que o questionamento essencial do sentido do ser fosse postulado será o ponto de apoio segundo o qual Heidegger tentará recuperar um tal questionamento: “Por isso nós só conduziremos a discussão dos preconceitos até onde a necessidade de se repetir a questão sobre o sentido do ser for evidente.”(id. Ibid. p. 28).
A análise desses preconceitos é o primeiro indicativo da constituição da hermenêutica heideggeriana e de sua participação em Ser e Tempo. A utilização dos pré-conceitos – enquanto pré-disposições – como premissa para um questionamento hermenêutico constitui-se como uma das marcas da hermenêutica de Heidegger, que apesar de não estar explicitamente fundamentada no tratado de 1927 perpassa-o conduzindo a própria estrutura do questionamento do ser.
Ainda em Ser e Tempo encontramos a analítica existencial do Dasein como modo de alcançar o horizonte de abertura do ser – resolvido enquanto temporalidade – através da investigação do ente que possui como própria essência a pré-sença, ou seja, a clareira, a abertura [Da] do ser [sein] como modo próprio de ser: “Esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pré-sença.”(Id. Ibid. p. 33). A facticidade do Dasein é postulada como base da constituição de uma ontologia fundamental, um pensamento que recupere a própria essência do pensamento: “A facticidade da pré-sença, a existência, que não pode ser fundamentada nem deduzida, deveria representar a base ontológica do questionamento fenomenológico” (GADAMER,  341).
Se tentamos compreender os pressupostos da hermenêutica heideggeriana é tão somente para nos guiarmos através de sua obra e nos deixarmos conduzir por ele na sua caminhada em direção ao Ser. Nesse sentido, apesar Ser e Tempo responder o questionamento sobre o sentido do ser no horizonte da temporalidade, a questão não se esgota nas paginas desse tratado; muito pelo contrário, o caminhar filosófico de Heidegger está apenas começando e sua última instância há de ser bem diferente do projeto de Ser e Tempo, ainda que mantenha uma correlação profunda com o tratado de 1927.
Utilizando-nos da tese heideggeriana do circulo hermenêutico e da estrutura previa da compreensão buscaremos determinar como essas tese colabora para a fundamentação de uma ciência da compreensão; e não apenas isso, como tais teses se encontram na própria estrutura do questionamento heideggeriano e da leitura de Heidegger da história da metafísica, buscaremos analisar a leitura mais extensa de um filosofo feita por ele – e que se encontra de forma central na passagem da primeira para a segunda fase de sua obra –: a da filosofia de Friedrich Nietzsche.
A escolha da leitura heideggeriana de Nietzsche não é ocasional visto que, quando Heidegger volta-se para a história da metafísica ocidental e nela identifica o longo error do abandono do questionamento do ser,é em Nietzsche que ele encontra a máxima possibilidade desta ausência enquanto um voltar-se inteiramente para o ente como tal em sua totalidade como vontade de poder através do eterno retorno do mesmo. Aqui a metafísica encontra seu acabamento em meio à era da técnica determinada pela subjetividade incondicionada do Ubermencht, da maquinação da desertificação do mundo e da fuga dos deuses.
É no fim de sua vida, entretanto, que Martin Heidegger, recolhido à Floresta Negra, volta-se para a poesia elegendo-a clareira do ser no desvelamento [aletheia] de sua verdade; abandona, então, a ontologia fundamental em favor de uma forma de compreensão, ao seu ver, mais originário do sentido do ser. Nesse sentido os poemas de Hoederlin são emblemáticos na medida em que, para Heidegger, constituem a linguagem essencial da clareira do ser.
Em Ser e Tempo, obra de 1927, além de tentar resgatar a questão originária sobre o sentido do Ser, Heidegger estabelece sua concepção do homem enquanto ente que primeiramente deve ser interrogado, na medida em que é pré-sença [Da-sein], único capaz de questionar posto que já possui em si a pré [Da], a clareira da qual o ser [sein] deve ser questionado.
Outro momento importante e essencial é a interpretação singular que Heidegger faz da tradição filosófica, a filosofia de Heidegger é essencialmente histórica na medida em que considera a historia como destinar-se do ser. Escolhemos, pois – uma vez que esta já pressupõe em mínimo transito pelas demais – a leitura heideggeriana do pensamento de F. Nietzsche devido à extensão e posição pontual em que Heidegger o estabelece. Dessa forma, poderemos compreender a condição humana segundo a perspectiva de Heidegger da modernidade: condição extrema do niilismo e de indigência em meio à era da técnica que obriga o pensamento a tentar resgatar-se da própria trama de seus equívocos. Esta interpretação encontramos nas conferencias que tentam retraçar o caminho da metafísica e definir os pressupostos de seu inevitável acabamento em Nietzsche. Analisaremos não somente as conferencias expressamente dedicadas ao filosofo do Zaratrusta e publicadas sob os títulos de Nietzsche e Nietzsche e a filosofia, como também outras conferências do mesmo período e que possuem o mesmo caráter como “Sobre a essência do fundamento”, “Sobre a essência da verdade” e “Sobre o humanismo”, dentre outros.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Bergson - A consciência

Uma das questões mais fundamentais levantadas por Henri Bérgson é a de saber o que é a consciência. É claro que tal questão não pode ser resolvida facilmente, mas as tentativas a cada vez empreendidas pelo filósofo o encaminham para a seguinte conexão conceitual: “consciência significa primeiramente memória” (p. 191). Esta não é uma definição, mas o ponto de partida do pensamento de Bérgson que culminará na idéia de duração. O que propriamente a consciência é, ou dito de melhor modo, o que a consciência deve ser para exercer uma função vital relevante tem a ver com a memória e to tempo. Por isso, para Bérgson, “reter o que já não é, antecipar o que ainda não é, eis a primeira função da consciência”. A consciência parece então agir sobre essas duas dimensões do tempo, retendo o que já não é mas penetrando no que ainda não é. Resumindo: “a consciência é o traço de união entre o que foi e o que será, uma ponte entre o passado e o futuro”.

A consciência está ligada à ação. Esse pressuposto é fundamental em Bérgson pois que permite que se propague a consciência pela cadeia dos seres vivos. “Então, a rigor, tudo o que é vivo poderia ser consciente: em princípio, a consciência é coextensiva à vida.” (p. 192). A vida portanto implica movimento. Do fato de que o movimento autônomo dos seres vivos implica uma certa sobrevivência do passado no presente e a antecipação do futuro, poder-se-ia dizer que o movimento implica memória; memória implica consciência. A consciência aparece não como uma instância metafísica do além, uma alma, mas como o que se da a partir do movimento animado como sua condição e ao mesmo tempo recurso produzido.

Assim chega-se ao tema da conferência de Bérgson em homenagem a Huxley: “a consciência e a vida”.