Michel Foucault disse certa vez que a não análise do fenômeno do fascismo era um dos grandes fatos políticos do fim do século XX. Isso soa um tanto quanto estranho se tivermos em mente quanta tinta e papel foram gastos em todo tipo de obra sobre as desventuras humanas nas décadas de 1930-40. Terá sentido somente essa constatação se tanto falatório não puder ser tido de fato como uma análise.
Há é claro muitas obras de qualidade e mesmo de excelência, e se cito O caminho da servidão de Hayek posso me dispensar de fazer outras indicações. Mas, vivendo aqui entre os trópicos, justamente na Brasília de Niemayer, não posso deixar de me admirar com o sortilégio que arrasta o pensamento político brasileiro à beira do delírio: denuncia-se o fascismo em toda a parte - ali onde os conservadores defendem a família ou os liberais os direitos do indivíduo - e, no entanto, cada gesto "progressista" resgata iluminações que antes só um Hitler ou um Mussolini ousaram por na pauta política. E se não reconhecem os fascistas seus antepassados, é porque o fascismo, de que acusam todos, é a imagem espelhar de seus mais secretos desejos, no entanto inconfessáveis. Se tanto falam, se tanto prazer encontram em discorrer horas a fio sobre o fascismo, sobre a sombra perpétua da "extrema-direita" (como se para eles pudesse haver uma direita que não é extrema: a extremidade opostas de seus desígnios sobre bons, belos e verdadeiros!), não seria porque se reconhecem nesses inimigos fantasmagóricos? Ou será porque não podem viver sem um inimigo tão vil e velhaco quanto eles próprios? E, aí, não será certo escrever poemas a esse amor de narciso, mais ridículo e perigoso possa parecer aos que dele são vítimas?
Há uma obscuridade no fascismo que não decorre de seu caráter assassino, que antecipa mesmo seus resultados genocidas. É justamente o que projeta de si mesmo em tudo que lhe é estranho a fim de justificar pela vileza do outro sua própria atrocidade. O poder atroz, ilimitado, brutal e, ao fim, ridículo - eis o fascismo.
Se pudéssemos analisar tal fenômeno em cada um de seus elementos, voltar à história para ver as ciladas que o preparam séculos após séculos, poderíamos ter uma visão mais clara do quanto daqueles anos cinzentos sobrevivem em nossos mais coloridos sonhos de rebeldia. Poderíamos ver, mas o quereríamos?
Ficaria ainda por explicar a obstinação desse amor e desses sonhos políticos que se cultivam sobre a terra fértil de um novo século, sob ainda os muitos mortos de outrora - perseguidos, oprimidos e exterminados - desapareceram. De onde vem esse amor, esse ímpeto e essa vontade de prosseguir no caminho da servidão?
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