quinta-feira, 28 de julho de 2011

Direita e Esquerda

Anders Behring Breivik, o suposto
 autor confesso dos atentados de Oslo
Atentado terrorista na Noruega. O que há de novo? Mortos, condolências, condenações – o de costume. A novidade fica por conta da capitalização política do episódio. Vejamos algumas manchetes:




E por aí vai...

Desta vez o pânico coletivo se volta para a sempre assustadora “extrema-direita”, coincidentemente quando movimentos de direita política (liberais e conservadores) recuperam espaços perdidos nas últimas décadas. Não, não quero dizer nada com isso: coincidências existem.

Mas confesso que tenho alguma dificuldade em compreender o que significa essa expressão, “extrema-direita”. Se por direita normalmente se compreende os movimentos liberais ou conservadores, então “extrema-direita” deve ser algo como o libertarianismo (radicalmente a favor da liberalização da drogas e coisas afins) ou o conservadorismo, sempre arraigado nos ultrapassados valores cristãos, em sua vertente mais reacionária, os às vezes chamados paleoconservadores – espécime em extinção mesmo no seu habitat natura, os E.U.A.

Pois, é aí que começa a confusão. Por algum motivo que não compreendo bem o termo “extrema-direita” é ligado ao nacional-socialismo, ao fascismo, e suas versões “neo”. Particularmente, parece ser usado com convicção ao se referir a movimentos marginais fora do espectro político, grupos paramilitares, gangues suburbanas e coisas afins. Ora, é de conhecimento público que o fato de que o nacional-SOCIALISMO é, como é possível inferir através de uma perspicaz e profunda investigação histórica, politicamente uma variante do socialismo. Logo, se contraposto à direita (liberalismo/conservadorismo), chamamos de esquerda as várias facetas do socialismo (o trabalhismo, o comunismo, a social-democracia dos socialistas fabianos, etc) então, por óbvio, o nacional-socialismo  foi um movimento político de esquerda e, por extremo que seja, deve ser dito de extrema-esquerda, tal como o comunismo.


Esta não é, contudo, uma confusão gratuita. Basta verificar os avanços dos movimentos de direita na Europa, basicamente proclamando o já quase esquecido nacionalismo moderado, e o movimento constitucionalista americano (Tea Party) para perceber que confusão entre direita e esquerda não é algo de fortuito ou fruto da péssima educação do século XX, mas um artifício retórico bastante útil à manutenção do já praticamente falido Projeto Europeu.

Às vezes fico em dúvida se devo escrever sobre tais obviedades. Dúvidas logo dissipadas quando me lembro que os socialistas-trabalhistas brasileiros do Partido dos Trabalhadores, e adjacentes, têm a mania de se referir aos seus colegas socialistas fabianos do Partido da Social-Democracia Brasileira como partidários de “direita”. Lembro principalmente do infeliz destino do Sr. Fernando Henrique, socialista empedernido, que conseguiu a fantástica alcunha de neoliberal (o que quer que isso signifique) por leiloar alguns trambolhos do Regime Militar. Afinal, talvez nunca seja demais dizer o óbvio.

Quanto ao caso da Noruega, se querem saber minha opinião, o sujeito é, no melhor dos casos, um psicopata que teria matado por qualquer motivo. Se matou por motivos raciais ou por discordar do multiculturalismo, isso nem de longe o torna um representante da “extrema-direita” ou de qualquer parte da direita. No melhor dos casos, eu disse. Porque para um "neonazista", racista, islamofóbico e coisas parecidas, o Sr. Breivik atirou em pessoas muito... norueguesas.

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Outras duas visões sobre o tema:

De um filósofo da direita brasileira: Quem aí lê norueguês?

De um blogueiro da esquerda europeia: O nome, o helicóptero e o barco

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O monismo metodológico e a questão da cientificidade da História ( I )


Heródoto


O estatuto científico da História é ainda hoje uma questão importante a ponto de ainda se colocar a pergunta: pode haver um conhecimento histórico genuíno, i.e., um conhecimento ao mesmo nível do que é estabelecido nas demais ciências? A questão mesma não deixa de ser pouco complicada. Por muito tempo a Matemática fora o modelo de ciência e seus enunciados a referência do padrão de certeza que todos os enunciados científicos deveriam atingir. Hoje, porém, ninguém diria que a Matemática estabelece um padrão a ser seguido e muitos epistemólogos nem mesmo consideram-na como “ciência” dado seu caráter tautológico. Quando se fala ordinariamente em Ciência, então, tem-se em vista as chamadas Ciências Naturais e, mas propriamente, a Física. A questão passa a ser, portanto: é possível falar da Ciência Histórica no mesmo sentido em que chamamos a Física de ciência? O que há em comum entre a Física e a História que justifique a categoria comum de “ciência”?

Não nos deixemos enganar, contudo, por esse modo talvez muito inapropriado de propor a questão. O que desejamos estabelecer não são semelhanças entre disciplinas bastante distintas, ainda menos recuperar a equivocada pretensão dos positivistas de fazer da Física um modelo de todas as ciências; o que desejamos saber é se os procedimentos da pesquisa história são estruturalmente congruentes com os procedimentos que sem muita dificuldade podem ser reconhecidos como científicos: explicação, dedução, experimentação, demonstração, etc.

A primeira questão a ser abordada pelo presente trabalho é a da cientificidade, qual seja, se a História compartilha da mesma lógica de pesquisa científica. Para tal partiremos da concepção estrutural da Ciência que nos parece hoje a mais apropriada, ou seja, aquela que sem abrir mão das exigências de rigor da tradição analítica escapa às inconsistências do neopositivismo. Refiro-me ao trabalho de Karl Popper que, embora não deva ser considerado algo de definitivo nas questões que soluciona, tem o mérito de apresentar clara e distintamente os problemas fundamentais da metodologia da Ciência em geral e resolvê-las de modo a não excluir, por princípio, nenhuma forma de saber.

A seguir, analisamos como, dentro de uma perspectiva racionalista-crítica o problema da objetividade em História não oferece maiores dificuldades, sendo estruturado de modo perfeitamente análogo às ciências em geral. Nossa referência nesse momento é o trabalho de Paul Ricouer.

Reforçando a tese geral de que a lógica científica (metodologia) não se altera ao se passar de uma ciência particular à outra, apresentamos as conclusões de Hempel sobre o papel das leis gerais na ciência histórica.

Finalizamos indicando que a tese geral aqui defendida não isenta a História de problemas específicos de ordem teórica ou metodológica. As especificidades da História, contudo, no aparecem não como uma objeção ao seu caráter científico ou objetivo, mas como limitação a um desenvolvimento formal (formalização) ou tecnológico (engenharia), o que em termos epistemológicos não merece mais consideração em História que em outras ciências humanas, sociais ou mesmo naturais.   

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(Texto completo a ser postado nas próximas semanas)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O direito “constitucional” inconstitucional

 



De jabuticaba em jabuticaba, o Brasil vai se tornando cada vez mais um país interessante para se viver. Interessante, é claro, para aqueles que apreciam as sutilezas do nonsense, pois para os que apreciam a simplicidade do bom senso, o Estado brasileiro é um Frankenstein com pretensões a Leviatã. Pois seja. Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu pela equiparação da união estável homossexual à união estável heterossexual. Mas, o que temos a ver com isso? Absolutamente nada se quisermos pensar a questão nos termos em que os fanáticos (movimento gay X movimentos religiosos) a tem colocado e é certo que a discussão entre gays militantes e religiosos conservadores é um daqueles embates nos quais “um ordenha o bode e o outro segura a peneira”, como dizia Kant. De importância é somente constatar o quanto tal decisão, entre outras, mas com maior intensidade, é sintomática quanto ao estado atual do constitucionalismo.

A questão mesma analisada pelo STF é bastante simplória. Desde o golpe militar de 1889 e a dita separação entre Estado e Igreja, instituiu-se o casamento civil que nada mais é que uma série de privilégios sociais concedidos aos consortes em vista do fim adverso da união familiar. Adicionalmente, a Carta Constitucional de 1988, fruto de outra das nossas jabuticabas políticas (a elevação do Congresso constituído à Assembléia Constituinte), estabeleceu a equiparação entre o casamento civil e a união estável:

“Para efeitos da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (CRFB, art. 226, §3°)

A união estável, portanto, não é para a Carta de 88 uma instituição jurídica, mas uma situação de fato cujos efeitos são equiparados ao casamento civil – este sim considerado instituição jurídica. Tivessem que se manter no âmbito da “Constituição” os muito sábios ministros do STF deveriam ter raciocinado mediante um silogismo muito simples, em que o art. 226 seria a Maior, a situação de fato (união entre pessoas do mesmo sexo) seria a Menor e a decisão decorreria natural e logicamente. É muito evidente que a decisão deveria ser denegatória para os que pleiteavam a equiparação, vez que a situação de fato julgada era bastante distinta dos termos do artigo em questão.

Isso não significa que por alguma deficiência mental os senhores (as) ministros do Supremo tenham errado ao construir um raciocínio tão simples. O que fizeram  foi uma série de “reinterpretações” que escapam completamente da prerrogativa de um Tribunal Constitucional[1]:

Reinterpretação da questão. Não contentes em interpretar a questão em termos da “Constituição” e do Direito, os ministros do STF julgaram uma questão de “Justiça”. Podemos discutir se a decisão foi ou não foi justa, mas é inegável que essa mesma discussão só é possível porque o STF julgou em termos de Justiça e não em termos do Direito estabelecido. 

Reinterpretação dos termos. Outra condição necessária da decisão é que a união estável deixa de ser uma situação de fato e passa a ser uma instituição jurídica. Caso permaneça como situação de fato, não se vê impedimento para que outras associações eróticas duradouras não devam ser reconhecidas sob o idêntico argumento (o que, não sendo também impossível, tornará os cartórios lugares muito interessantes para se visitar)[2].

Reinterpretação dos princípios. Finalmente, toda a decisão do STF é baseada numa singular interpretação do princípio de isonomia (CRFB, art. 5°, caput). Justiça seja feita ao STF, aqui ele somente dá mais um passo numa direção já aberta pela própria Carta Constitucional. O princípio de equidade, tão antigo quanto o constitucionalismo moderno, é, como todo direito individual, algo de muito simples: todos os homens são equivalentes frente aos poderes do Estado, não cabendo a este estabelecer discriminações, atribuir privilégios ou nutrir perseguições arbitrárias. A sutil diferença introduzida pela “Constituição” de 1988, ao dizer que a igualdade se dá “nos termos dessa Constituição” foi suficiente para desfigurar completamente o princípio. Primeiro, porque a relativização de um direito equivale a sua completa destruição: um direito relativo não é um direito, mas prerrogativa que se exerce até certo limite; segundo, porque, sendo uma prerrogativa, o direito se converte em concessão dos poderes do Estado, quando originalmente o Estado, contra si mesmo, apenas o reconhecia; terceiro, porque estende o princípio que originalmente regia a relação do indivíduo com o super-poder do Estado, para as relações entre indivíduos. De tal desfiguração decorre que o Estado outorga para si a prerrogativa discriminatória que proíbe ao cidadão, reservando-se a faculdade de traçar os limites nos quais o “direito” será exercido. Muito pior do que essa insensatez dos fazedores da “Constituição” foi a extensão posterior dessa prerrogativa, pois não muito tempo depois de outorgada a nova Carta, reconheceu-se que a prerrogativa discriminatória do Estado não era matéria constitucional, mas poderia ser estabelecida infraconstitucionalmente (daí todas as leis que concedem privilégios sociais às chamadas “minorias sociais”). Finalmente, a decisão do STF torna o princípio de igualdade material, como é chamada essa versão deturpada da equidade, um super-princípio com o poder de alterar, limitar e reescrever todos os restantes artigos da “Constituição”.

De modo que não havendo mais qualquer limitador ao poder do STF de criar “direitos” através da reinterpretação da Carta Constitucional, nos encontramos agora numa situação de completo arbítrio. Isso não é espantoso em vista da “baixa origem” da Lei Fundamental de 1988 e da relação predatória entre os Poderes da República, cuja independência e harmonia só existem na fantasia dos juristas. Menos espantosa ainda é tal decisão para os que já perceberam que o constitucionalismo clássico foi a muito tempo abandonado em favor da doutrina arbitrária dos direitos humanos que para cada indíviduo do planeta reserva potencialmente um lugar  no banco dos réus de Nuremberg[3].


[1] Claro, essa observação só tem valor se considerássemos que o STF é verdadeiramente um Tribunal Constitucional e que a Lei Fundamental de 1988 é uma Constituição, o que não é evidentemente o caso tendo em vista a origem dos mesmos.
[2] Isso decorre logicamente da constatação de que os elementos que configuram a união passível de reconhecimento pelo estado (afetividade da relação, espaço e tempo) são suficientemente gerais para envolver as mais estranhas “uniões”. Claro que o reconhecimento de uniões incestuosas ou bizarras muito provavelmente não vai acontecer e não é necessário esperar consequências lógicas de uma decisão ilógica. Muito mais simples é claro seria opiniar de modo lógico como o fez o procurador do Rio Grande do Sul Lenio Streck.
[3] Cf. Maurice Bardèche. Nuremberg ou la Terre Promise. Paris: Les Sept Couleurs, 1948.