A distância entre a duvida natural (vulgar) e a duvida metafísica (hiperbólica) reside justamente no procedimento metódico da ultima e no fato de que a mesma é empreendida através de um ato da vontade cujo fim ultimo não é o ceticismo, mas a construção positiva do conhecimento metafísico. Nesse sentido a duvida cartesiana como duvida metafísica não se esgota na suspensão do juízo, ou melhor, seu esgotar-se é um superar-se que já estava previsto desde seu inicio.
Como resultado do procedimento da dúvida, o argumento do Gênio Maligno havia forçado Descartes a decidir pela suspensão do juízo diante da impossibilidade de fundamentar até mesmo as verdades matemáticas. Entretanto na Segunda meditação quando novamente evocado o referido argumento, um certeza passa a subsistir sem que possa ser colocada em duvida: a certeza de que a proposição Ego sum, Ego existo é indubitável; isso, porém, não resolve inteiramente a questão da Segunda meditação sobre a natureza do espirito humano uma vez que só prova que o próprio espirito existe. A natureza do espirito (mentis) humano só é determinada quando o Ego sum torna-se Ego sum rés cogitans – eu que indubitavelmente sou, sou tão somente coisa pensante. Nesse sentido a proposição Ego cogito ( Eu penso) já se encontra subentendida na conquista da certeza do Ego sum e na superação da duvida hiperbólica.
A primeira meditação (meditatio prima) se atém exclusivamente a fundamentação da duvida hiperbólica e pela enumeração metódica dos argumentos que a constituem: argumento do erro dos sentidos e sua radicalização; argumento do sonho; argumento do Deus enganador e do Gênio Maligno, ambos com o mesmo propósito. Nesse sentido nenhuma das antigas verdades tidas como certas pôde suster-se ante o procedimento cartesiano.
A Segunda meditação (meditatio secundâ), partindo do resultado do procedimento da dúvida, ou seja, da certeza de que nada é certo, direciona-se para a conquista da certeza de que se sou enganado, ou se me engano, eu que sou enganado ou que me engano, sou indubitavelmente alguma coisa; por sua vez esta coisa é unicamente coisa pensante (rés cogitans). Tal é a determinação da natureza do espirito (mentis) humano sendo que esta é tida por Descartes como mais fácil de ser conhecida do que a natureza dos corpos ( rés extensa), segundo a determinação que se encontra no fim da meditação (exemplo do pedaço de cera).
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