segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Heidegger ( I )

A obra de Martin Heidegger é uma das mais significativas do século XX, não apenas pela influência que exerceu sobre o pensamento posterior, mas muito mais, pela originalidade de sua filosofia. Desde Ser e Tempo [Sein und Zeit], seu mais conhecido e fundamental tratado, seu pensamento se direciona pela tentativa de recuperação da questão sobre o sentido do Ser, considerada por ele a primeira em dignidade não apenas no âmbito de uma ontologia, como também pela própria experiência humana enquanto pré-sença [Da-sein].
O primeiro capítulo de Ser e Tempo é dedicado ao resgate da questão sobre o sentido do ser e o estabelecimento de seu primado e de sua urgência, embora tenha sido abandonada pela tradição: “Assim o que, encoberto,  inquietava o filosofar antigo e se mantinha inquietante,  transformou-se em evidência meridiana, a ponto de acusar quem ainda levantasse a questão de cometer um erro metodológico.”(HEIDEGGER, 2002: 28). O preconceito a que Heidegger se refere é a sentença: “o ‘ser’ é o conceito mais universal e mais vazio” (Id. Ibid. p.27). A trama dos preconceitos que ao longo do tempo se depositou e se multiplicou na tradição filosófica ocidental impediu que o questionamento essencial do sentido do ser fosse postulado será o ponto de apoio segundo o qual Heidegger tentará recuperar um tal questionamento: “Por isso nós só conduziremos a discussão dos preconceitos até onde a necessidade de se repetir a questão sobre o sentido do ser for evidente.”(id. Ibid. p. 28).
A análise desses preconceitos é o primeiro indicativo da constituição da hermenêutica heideggeriana e de sua participação em Ser e Tempo. A utilização dos pré-conceitos – enquanto pré-disposições – como premissa para um questionamento hermenêutico constitui-se como uma das marcas da hermenêutica de Heidegger, que apesar de não estar explicitamente fundamentada no tratado de 1927 perpassa-o conduzindo a própria estrutura do questionamento do ser.
Ainda em Ser e Tempo encontramos a analítica existencial do Dasein como modo de alcançar o horizonte de abertura do ser – resolvido enquanto temporalidade – através da investigação do ente que possui como própria essência a pré-sença, ou seja, a clareira, a abertura [Da] do ser [sein] como modo próprio de ser: “Esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pré-sença.”(Id. Ibid. p. 33). A facticidade do Dasein é postulada como base da constituição de uma ontologia fundamental, um pensamento que recupere a própria essência do pensamento: “A facticidade da pré-sença, a existência, que não pode ser fundamentada nem deduzida, deveria representar a base ontológica do questionamento fenomenológico” (GADAMER,  341).
Se tentamos compreender os pressupostos da hermenêutica heideggeriana é tão somente para nos guiarmos através de sua obra e nos deixarmos conduzir por ele na sua caminhada em direção ao Ser. Nesse sentido, apesar Ser e Tempo responder o questionamento sobre o sentido do ser no horizonte da temporalidade, a questão não se esgota nas paginas desse tratado; muito pelo contrário, o caminhar filosófico de Heidegger está apenas começando e sua última instância há de ser bem diferente do projeto de Ser e Tempo, ainda que mantenha uma correlação profunda com o tratado de 1927.
Utilizando-nos da tese heideggeriana do circulo hermenêutico e da estrutura previa da compreensão buscaremos determinar como essas tese colabora para a fundamentação de uma ciência da compreensão; e não apenas isso, como tais teses se encontram na própria estrutura do questionamento heideggeriano e da leitura de Heidegger da história da metafísica, buscaremos analisar a leitura mais extensa de um filosofo feita por ele – e que se encontra de forma central na passagem da primeira para a segunda fase de sua obra –: a da filosofia de Friedrich Nietzsche.
A escolha da leitura heideggeriana de Nietzsche não é ocasional visto que, quando Heidegger volta-se para a história da metafísica ocidental e nela identifica o longo error do abandono do questionamento do ser,é em Nietzsche que ele encontra a máxima possibilidade desta ausência enquanto um voltar-se inteiramente para o ente como tal em sua totalidade como vontade de poder através do eterno retorno do mesmo. Aqui a metafísica encontra seu acabamento em meio à era da técnica determinada pela subjetividade incondicionada do Ubermencht, da maquinação da desertificação do mundo e da fuga dos deuses.
É no fim de sua vida, entretanto, que Martin Heidegger, recolhido à Floresta Negra, volta-se para a poesia elegendo-a clareira do ser no desvelamento [aletheia] de sua verdade; abandona, então, a ontologia fundamental em favor de uma forma de compreensão, ao seu ver, mais originário do sentido do ser. Nesse sentido os poemas de Hoederlin são emblemáticos na medida em que, para Heidegger, constituem a linguagem essencial da clareira do ser.
Em Ser e Tempo, obra de 1927, além de tentar resgatar a questão originária sobre o sentido do Ser, Heidegger estabelece sua concepção do homem enquanto ente que primeiramente deve ser interrogado, na medida em que é pré-sença [Da-sein], único capaz de questionar posto que já possui em si a pré [Da], a clareira da qual o ser [sein] deve ser questionado.
Outro momento importante e essencial é a interpretação singular que Heidegger faz da tradição filosófica, a filosofia de Heidegger é essencialmente histórica na medida em que considera a historia como destinar-se do ser. Escolhemos, pois – uma vez que esta já pressupõe em mínimo transito pelas demais – a leitura heideggeriana do pensamento de F. Nietzsche devido à extensão e posição pontual em que Heidegger o estabelece. Dessa forma, poderemos compreender a condição humana segundo a perspectiva de Heidegger da modernidade: condição extrema do niilismo e de indigência em meio à era da técnica que obriga o pensamento a tentar resgatar-se da própria trama de seus equívocos. Esta interpretação encontramos nas conferencias que tentam retraçar o caminho da metafísica e definir os pressupostos de seu inevitável acabamento em Nietzsche. Analisaremos não somente as conferencias expressamente dedicadas ao filosofo do Zaratrusta e publicadas sob os títulos de Nietzsche e Nietzsche e a filosofia, como também outras conferências do mesmo período e que possuem o mesmo caráter como “Sobre a essência do fundamento”, “Sobre a essência da verdade” e “Sobre o humanismo”, dentre outros.

Um comentário:

Calcanhar de Aquiles disse...

Esse post eu não tenho nenhuma propriedade para comentar. (rs). Tenho outra formação acadêmica (Bacharelado e licenciatura em História - UFF).
Confesso que fquei interessado em buscar por aqui trabalho que Heidegger realizou, se possível.

Muito bacana o uso que você faz desse espaço.
Abração do amigo "Calcanhar" aqui.