O que torna fantástico esse trabalho de leitura do prof. Lombardo é que a Ilíada foi composta para ser cantada e ouvida e não lida.
domingo, 17 de novembro de 2013
terça-feira, 1 de outubro de 2013
Do que não se aproveita em uma dissertação de mestrado ( I )
Um homem chega de viajem a um país estrangeiro; pessoas na estação de trem poderiam descrever sua chegada, seus gestos e eventuais palavras, até mesmo seu estado de espírito: trata-se de um fato histórico? E se esse homem fosse Francisco Ferdinando a desembarcar em Belgrado? Estaríamos diante de um fato histórico? Os eventuais relatos, anotados por acaso ou curiosidade por um jornalista ou transeunte, se converteriam, por isso, em documentos históricos? Que difere a viajem de Chico e de Francisco, para que esta seja um dado da história factual, enquanto aquela só é histórica num sentido inteiramente diverso[1]?
Diz-se que Napoleão III representava os interesses na burguesia rural francesa[2], mas tal fato já não é apreendido como a chegada do arqueduque a Belgrado.
Que dizer então de um “evento” como a Revolução Francesa? Que compreender por esse termo? Atos individuais? Movimentos coletivos? O fruto de deliberações conscientes ou o produto de forças impessoais?
E se nos desvencilhamos da história eventual, nem por isso a questão do fato histórico se torna mais simples. Descreve-se o sistema político da República Romana, distingue-se ele da do sistema monárquico que o antecedeu e do império que o sucedeu. O que é aqui um fato? A existência do sistema num dado instante? Sua conservação numa duração específica? A abrupta interrupção de se funcionamento ou as lentas alterações que transformam? É o mesmo, o sistema que vigeu em Roma quando do assassinado dos Graco e quando da rebelião de Catilina? E entre os muitos sistemas que podem ser distinguidos numa dada sociedade num dado espaço de tempo, que relações estabelecer entre eles? Que relações estabelecer entre as pessoas que vivem, falam e agem e os sistemas?
A primeira questão que deveremos nos colocar, portanto, não é se a História deva ou não descrever e explicar fatos, ser mais ou menos factual, mas o que se entende por um fato; muito antes de querer distinguir o que se entende por um fenômeno econômico, por um fenômeno cultural, político ou intelectual, deve-se saber o que, para o historiado, pode legitimamente se concebido como um fenômeno. Pois a criação da moeda fiduciária não é um fenômeno no mesmo sentido do acordo de Breton-Woods; a feitiçaria no século XVI não é fenômeno no mesmo sentido que os dogmas católico-romanos ou a doutrina do Malleus Maleficarum; os fatores das grandes navegações não são fatos históricos no mesmo sentido que a chegada de Colombo ao continente americano. Eventos, estruturas, fatores, condições, atos individuais, forças, processos, atos coletivos, sistemas, época, culturas, sociedades, raças, classes, sexos, papeis sociais, regras jurídicas, costumes, publicações, etc — têm todas essas categorias referentes reais ou são todas ou algumas delas meros instrumentos heurísticos de explanação? Que visa o historiador: dizer o que aconteceu verdadeiramente, como aconteceu ou por que aconteceu? Ou tudo isso junto? O que, por outro lado, o leigo e a comunidade científica podem legitimamente esperar do trabalho do historiador?
A primeira questão que deveremos nos colocar, portanto, não é se a História deva ou não descrever e explicar fatos, ser mais ou menos factual, mas o que se entende por um fato; muito antes de querer distinguir o que se entende por um fenômeno econômico, por um fenômeno cultural, político ou intelectual, deve-se saber o que, para o historiado, pode legitimamente se concebido como um fenômeno. Pois a criação da moeda fiduciária não é um fenômeno no mesmo sentido do acordo de Breton-Woods; a feitiçaria no século XVI não é fenômeno no mesmo sentido que os dogmas católico-romanos ou a doutrina do Malleus Maleficarum; os fatores das grandes navegações não são fatos históricos no mesmo sentido que a chegada de Colombo ao continente americano. Eventos, estruturas, fatores, condições, atos individuais, forças, processos, atos coletivos, sistemas, época, culturas, sociedades, raças, classes, sexos, papeis sociais, regras jurídicas, costumes, publicações, etc — têm todas essas categorias referentes reais ou são todas ou algumas delas meros instrumentos heurísticos de explanação? Que visa o historiador: dizer o que aconteceu verdadeiramente, como aconteceu ou por que aconteceu? Ou tudo isso junto? O que, por outro lado, o leigo e a comunidade científica podem legitimamente esperar do trabalho do historiador?
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[1] Certamente os que fazem História “de baixo para cima” não concebem os atos, palavras e acontecimentos da vida do homem vulgar do mesmo modo que os antigos e persistentes historiadores tradicionais concebem a vida dos homens ilustres. Os micro-historiadores, por exemplo, embora dirijam atenção para as existências anônimas não se interessam pelo que nelas há de singular e individual, mas no que podem testemunhar de fenômenos amplos como “cultura”, “sociedade”, “camponês”, “classe”, etc. Movem-se, portanto, numa pré-compreensão ontológica do fato histórico diametralmente contrária aos que fazem biografia dos homens “de importância”.
[2] Cf. Marx. 18 de Brumário de Napoleão.
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Mises: Revista interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
"Albo lapillo notare diem" - foi com este velho ditado romano que o professor Ubiratan Iorio, diretor acadêmico do Instituto Mises Brasil, anunciou o lançamento da revista acadêmica do instituto. Há duas ou três coisas notáveis nesse fato: trata-se de uma revista acadêmica ligada à Escola Austríaca de Economia; de uma publicação que convida os adversários dessa escola ao debate científico; e, enfim, de uma revista interdisciplinar. Se a primeira das razões da importância que tributo ao fato interessa mais aos que já conhecem a tradição econômica que remonta a Carl Menger, embora seja grande a esperança de que jovens e velhos acadêmicos venham conhece-la através da Mises, são as duas outras razões que maior entusiasmo despertam, sobretudo a quem já foi tomado por um pouco de desencanto sobre os rumos da vida universitária brasileira.
Não pode haver ciência onde o debate racional está como que encerrado, onde doutrinas, por vezes obscuras, de pouca compreensão mas fácil reprodução, são admitidas como verdades assentadas sobre misteriosas evocações de autoridade. Retomando uma longa tradição crítica, nem faz um século ainda, Sir Karl Popper lembrou da necessidade, em sentido lógico mesmo, de manter-se o universo das teorias científicas aberto a críticas mútuas.
Por fim a interdisciplinaridade da qual hoje muito se fala e pouco se pratica. É verdade que a economia é uma ciência autônoma (não se há de contestar isso), mas é verdade também que muitos desvios teóricos, metodológicos e epistemológicos poderiam, nela, terem sido evitados se a antiga tradição humanística do século XIX não houvesse se perdido em meio aos devaneios alfanuméricos. Caminhos por evidente equivocados poderiam ter sido evitados, fantasmas de equívocos superados (valor-trabalho, monopólios, bens públicos) que povoam a teratologia economia poderiam já ter caído em esquecimento; outros, bons caminhos, poderiam ter se encurtado se a ciência da economia não se tivesse deixado seduzir por imagens de perfeccionismo científico, malgrado apenas imaginado. A crítica do filósofo é sempre suspeita, mas raramente injusta por completo. E já que não se critica a ciência mesma, mas o estado atual de uma ciência, é razoável ter a esperança de que a revista Mises contribuirá para a refundação da ciência econômica entre os trópicos, onde a razão anda a faltar-nos.
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Do amor ao fascismo
Michel Foucault disse certa vez que a não análise do fenômeno do fascismo era um dos grandes fatos políticos do fim do século XX. Isso soa um tanto quanto estranho se tivermos em mente quanta tinta e papel foram gastos em todo tipo de obra sobre as desventuras humanas nas décadas de 1930-40. Terá sentido somente essa constatação se tanto falatório não puder ser tido de fato como uma análise.
Há é claro muitas obras de qualidade e mesmo de excelência, e se cito O caminho da servidão de Hayek posso me dispensar de fazer outras indicações. Mas, vivendo aqui entre os trópicos, justamente na Brasília de Niemayer, não posso deixar de me admirar com o sortilégio que arrasta o pensamento político brasileiro à beira do delírio: denuncia-se o fascismo em toda a parte - ali onde os conservadores defendem a família ou os liberais os direitos do indivíduo - e, no entanto, cada gesto "progressista" resgata iluminações que antes só um Hitler ou um Mussolini ousaram por na pauta política. E se não reconhecem os fascistas seus antepassados, é porque o fascismo, de que acusam todos, é a imagem espelhar de seus mais secretos desejos, no entanto inconfessáveis. Se tanto falam, se tanto prazer encontram em discorrer horas a fio sobre o fascismo, sobre a sombra perpétua da "extrema-direita" (como se para eles pudesse haver uma direita que não é extrema: a extremidade opostas de seus desígnios sobre bons, belos e verdadeiros!), não seria porque se reconhecem nesses inimigos fantasmagóricos? Ou será porque não podem viver sem um inimigo tão vil e velhaco quanto eles próprios? E, aí, não será certo escrever poemas a esse amor de narciso, mais ridículo e perigoso possa parecer aos que dele são vítimas?
Há uma obscuridade no fascismo que não decorre de seu caráter assassino, que antecipa mesmo seus resultados genocidas. É justamente o que projeta de si mesmo em tudo que lhe é estranho a fim de justificar pela vileza do outro sua própria atrocidade. O poder atroz, ilimitado, brutal e, ao fim, ridículo - eis o fascismo.
Se pudéssemos analisar tal fenômeno em cada um de seus elementos, voltar à história para ver as ciladas que o preparam séculos após séculos, poderíamos ter uma visão mais clara do quanto daqueles anos cinzentos sobrevivem em nossos mais coloridos sonhos de rebeldia. Poderíamos ver, mas o quereríamos?
Ficaria ainda por explicar a obstinação desse amor e desses sonhos políticos que se cultivam sobre a terra fértil de um novo século, sob ainda os muitos mortos de outrora - perseguidos, oprimidos e exterminados - desapareceram. De onde vem esse amor, esse ímpeto e essa vontade de prosseguir no caminho da servidão?
terça-feira, 30 de abril de 2013
Hope - A análise de classe marxista vs análise de classe austríaca
No seguinte artigo, tenho três propostas. Primeiro, irei apresentar algumas teses que constituem o núcleo básico da teoria marxista da história. Afirmo que todas elas, em sua essência, estão inteiramente corretas. Em seguida, irei demonstrar como essas corretas teses marxistas foram derivadas de uma base completamente errônea. Por fim, quero demonstrar como a teoria austríaca, na tradição de Mises e Rothbard, pode fornecer uma explicação correta, embora categoricamente diferente, da validade destas teses marxistas.
Deixe-me começar com o núcleo básico do sistema de crenças marxista:[1]
(1) "A história da humanidade é a história da lutas de classe."[2] É a história das lutas entre uma classe dominante relativamente pequena e uma classe de explorados bastante numerosa. A principal forma de exploração é econômica: a classe dominante expropria parte da produção gerada pelos explorados — ou, como dizem os marxistas, a classe dominante "se apropria da mais-valia social e a utiliza para seus próprios propósitos de consumo."
(2) A classe dominante é unida pelo seu interesse comum de manter sua posição exploratória e maximizar sua mais-valia apropriada espoliativamente. Ela nunca deliberadamente abre mão do poder ou da renda advinda da exploração. Logo, qualquer perda de poder ou de renda da classe exploradora só será alcançada por meio de conflitos, cujos resultados efetivos vão depender, em última instância, da consciência de classe dos explorados — isto é, se os explorados estão cientes das suas próprias condições, o quão cientes estão disso e, principalmente, se estão conscientemente unidos aos outros membros da sua classe em oposição conjunta à exploração.
(3) O domínio de classe se manifesta essencialmente através de arranjos específicos que estão relacionados à forma como os direitos de propriedade são estipulados — ou, na terminologia marxista, na forma de "relações de produção" específicas. Para proteger esse arranjo ou essa relação de produção, a classe dominante forma o estado e assume seu comando, transformando-o em um aparato de compulsão e coerção. O estado impõe uma determinada estrutura de classes e estimula a sua reprodução através da administração de um sistema de "justiça de classe", e ajuda na criação e no sustento de uma superestrutura ideológica voltada para dar legitimidade à existência do domínio de classe.
(4) Internamente, o processo de competição dentro da classe dominante gera uma tendência de crescente concentração e centralização. Um sistema multipolar de exploração vai sendo gradualmente substituído por um sistema oligárquico ou monopolista. Um número cada vez menor de centros de exploração continua em operação — e aqueles que continuam estão cada vez mais integrados a uma ordem hierárquica. Externamente (isto é, no que diz respeito ao sistema internacional), esse processo de centralização levará a guerras imperialistas entre estados e à expansão territorial do domínio explorador. Quanto mais avançado estiver o processo de centralização, mais intensas serão as guerras.
(5) Finalmente, com a centralização e a expansão do domínio explorador gradualmente se aproximando do seu limite supremo de dominação global, o domínio de classe irá se tornar crescentemente incompatível com uma maior evolução e melhoria das "forças produtivas". Estagnações econômicas e crises se tornam cada vez mais rotineiras, criando assim as "condições objetivas" para o surgimento de uma revolucionária consciência de classe dos explorados. A situação se torna propícia para a criação de uma sociedade sem classes, para o "desaparecimento do estado", com o governo do homem sobre o homem sendo substituído pela simples administração das coisas[3]. Como resultado, haverá uma prosperidade econômica sem precedentes.
***
Artigo completo em Instituto Ludwig von Mises Brasil
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Henri Poincaré
maiores mentes do século XX. Poincaré desenvolveu muitos aspectos da teoria de Lorentz que permitiram o estabelecimento da teoria da relatividade restrita.
Além de grande matemático, Poincaré foi um filósofo da ciência (a maior parte de seus trabalhos traduzidos para o português são nessa área) e um intelectual à moda antiga, intervindo no caso Dreyfus.
domingo, 28 de abril de 2013
Filósofo do dia: Kurt Gödel
Kurt Gödel merece com certeza ser incluído entre os grandes filósofos do século XX dada a importância de seu trabalho em lógica matemática. De fato, os teoremas de Gödel colocam termo no grande projeto logístico iniciado por Frege demonstrando a impossibilidade de axiomatização completa e consistente de da aritmética. O projeto de Frege já havia se deparado com o problema do paradoxo de Russel, uma anomalia na formalização da teoria dos conjuntos, mas de fato somente o trabalho de Gödel mostrará que ao fim esse projeto deveria esbarrar numa limitação natural.
O trabalho de Gödel, que estudou Kant quando jovem, parece confirmar a tese de que a razão humana possui limitações naturais, mas a discussão sobre as consequências filosóficas dos teoremas permanece reservada aos que conseguem dominar o formalismo da matemática avançada.
Outro trabalho muito relevante de Gödel foi sua tese de doutorado que demonstra a completude do cálculo de predicados de primeira ordem.
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Filósofo do dia: Thomas Reid
iluminismo escocês.
Do pensamento de Reid deve-se destacar defesa do "senso comum" contra a investida cética de David Hume. É inegável que Reid pertença a mesma tradição que moldou Hume e Berkeley, seus principais interlocutores e adversários. Porém, ao partir justamente dessa tradição, Reid perecebe que a "teoria das ideias", segundo a qual o objeto da mente é uma ideia, conduz necessariamente a conclusões céticas. Assim, rejeitando a própria validade da noção de "ideia" para a teoria do conhecimento, Reid pretende evitar as consequências céticas que decorrem de sua admissão.
A teoria do conhecimento posterior parecer ter de algum modo dado razão a Reid: a "teoria das ideias" não sobreviverá ao século XVIII. E, contudo, esse grande filósofo ainda é pouco conhecido entre nós. Talvez porque tenhamos sempre a tendência de preferir filosofias obscuras àquela clareza de pensamento tão típica da tradição inglesa.
L. Wittgenstein - Palavra e Silêncio
Diz-se que há dois filósofos: um primeiro e um segundo Wittgenstein[1]. O primeiro foi sobretudo um lógico, a serviço do projeto que Frege imaginou e ao Russel deu continuidade — a lógica matemática, o logicismo e o empirismo lógico muito deveram ao autor do TractatusLogicu-Philosophicus; o segundo, crítico do primeiro, incompreensível para os admiradores do primeiro[2], teria retomado, em termos linguísticos, toda uma tradição do pragmatismo, ocupando-se com a linguagem ordinária e a comunicação intersubjetiva — a análise dos atos de fala (spreechacts) de Austin e Searle e derivados como a nova retórica reivindicam no autor das Investigações Filosóficas seu fundador ou precursor.
Afora o lirismo sempre encantador da duplicação da persona, é preciso reconhecer a divisão da obra de Wittgenstein é mais realistas do que as divisões tradicionais a que todo opus filosófico está sujeito: fala-se de um primeiro e de um segundo Heidegger; de três fases em Nietzsche e Foucault, de dois Kants ao menos, mas em todos esses casos a divisão é certamente muito mais didática que teórica, e, mesmo quando é teórica, implica muito mais a mudança de tema do que a construção de um novo projeto. Entre WI e WII, porém, as diferenças são tantas, o estilo é tão incongruente e os mesmos temas tratados de modo tão distinto, que nada há o que fazer senão reconhecer que não se trata aqui e ali de um mesmo filósofo.
A questão da linguagem situa-se, assim, de modo bastante diferente que consultemos o Tractatus, quer perscrutemos as Investigações. Diz-se: aqui há uma filosofia da linguagem ideal, ali uma filosofia da linguagem ordinária; duas filosofias, um só filósofo. Mas isso não é só inexato como também equívoco. A conceitografiafregeana, que dá lugar ao CPC[3], certamente é abordada no Tractatus, mas não constitui o todo do que WI chama, então, “linguagem”; por outro lado, as Investigações darão lugar a todo um formalismo, nem sempre claro como mostram os trabalhos de Habermas, em torno das funções de uso: não se exclui o formalismo e a linguagem ideal, mas todo o projeto do Tractatus, a concepção mesma de uma linguagem limitada por uma Forma transcendental unitária. Não é, pois, o formalismo uma boa medida da diferença entre um e outro projeto.
A questão da linguagem em Wittgenstein é, pois, equívoca. De quem se fala? De um ou outro, de um e outro? Também não saberíamos como a colocar devidamente. Porque então teríamos um problema filosófico do tipo: “que é a linguagem?” ou, em todo caso, “que é a linguagem para Wittgenstein?”. O melhor que poderíamos fazer talvez fosse imitar os comentadores de filosofia: “que é a linguagem para o primeiro ou para o segundo Wittgenstein?”. Mas ainda o equívoco seria muito evidente para que não nos envergonhássemos de imediato.
A leitura de Wittgenstein nos parece suscitar muitas perguntas retóricas. Mas deixemos disso e nos atenhamos aos textos. No caso, será melhor imitar os locutores que os comentadores.
Terapêutica da linguagem em WI: A Escada para o silêncio
“As minhas proposições são elucidativas pelo facto de que aquele que as compreende as reconhece afinal como falhas de sentido, quando por elas se elevou para lá delas. (Tem que, por assim dizer, deitar fora a escada, depois de ter subido por ela).
Tem que transcender estas proposições; depois vê o mundo a direito.
Acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio.”[4]
Esta parte final da obra tem desafiado a compreensão dos leitores desde a primeira publicação (como o enigma de Édipo que se resolve sem se resolver). Com ela Wittgenstein escapa à inconsistência do empirismo lógico, mas parece arruinar seu próprio projeto de sanar as patologias da linguagem que dão lugar à filosofia tradicional. Ela implica no curioso convite ao silêncio, principalmente ao silêncio com relação ao que fora dito pelo próprio Tractatus. Deveríamos, então, nos conformar com ela e nos recusar a falar de qualquer doutrina de WI, pois, afinal, não é ele mesmo a dizer que nada diz? Não se pode responder essa pergunta. Ao invés, reconheçamos que os comentadores não cessaram de encontrar teses e doutrinas nesse livro paradoxal. E, se, mesmo grandes filósofos como Lord Russel encontram aqui muita filosofia séria, por que não poderíamos nós encontrar aqui do que falar a respeito da sua concepção da linguagem?
Não há outro remédio: desconsideremos a sura 6.54. De resto, parece que encontraremos um tratado rico de ensinamentos, principalmente quanto às patologias (filosofia tradicional) que surgem por não se dar a devida atenção à linguagem. Esse não é um tema novo, o próprio Frege já o entrevia quando postulava a necessidade de uma língua filosófica que pudesse evitar os equívocos aos quais os filósofos são particularmente suscetíveis[5]. Mas tão logo vejamos essa medicina linguística em ação, teremos que assumir que as coisas não se passam exatamente como os comentadores (principalmente os afeitos teses ontológicas e éticas no Tractatus) preferem acreditar. Consideremos o mais célebre de todos os sintomas: o paradoxo de Russel. Ele fez soçobrar outrora o grande projeto de Frege e perturbou o sono do autor dos Principia até que o fosse capaz resolver com a teoria dos tipos. Mas o médico não parece se imprecionar com os lamentos do paciente. Este diz: “dói-me quando faço isso”; aquele responde: “não faça isso!” — Assim, anedoticamente, pode-se resumir a resolução de Wittgenstein para o paradoxo:
Suponhamos por exemplo que a função F(fx) podia ser o seu próprio argumento; então haveria também uma proposição: “F(F[fx])”, e nesta, a função exterior F e a função interior F teriam que ter denotações diferentes, pois a função interior tem a forma φ(fx), a função exterior, a forma ψ(φ[fx]). Comum às duas funções é apenas a letra “F”, que contudo nada designa.
Estranha medicina! WI havia prometido resolver todos os problemas da filosofia, havia mesmo dito na introdução que todos eles encontravam respostas verdadeiras, definitivas e intocáveis no Tractatus. Agora, porém, parece dizer: “não faça isso! não crie problemas”. Por mais misterioso que isso pareça, tem sua razão dizer na concepção geral da linguagem do Tractaus: a linguagem é transitiva, i.e., diz-se algo do mundo, logo “nenhuma proposição pode declarar alguma coisa sobre si própria, porque o sinal proposicional não pode estar contido em si mesmo” (3.332).
Assim, a concepção de uma linguagem que só pode ser transitiva, composta de proposições que só podem dizer algo do mundo; a concepção do dizer enquanto situado no limite da linguagem, como o olho, que não pode se ver porque está no limite do campo visual, implica um novo convite ao silêncio. Não é somente a última sura, cuja reversão sobre o todo do Tractatus parece agora um paradoxo do paradoxo, que implica uma “iniciação ao silêncio”. Cada proposição, na medida em que se apóia nessa concepção limiar da linguagem, é um átomo de silêncio significante. WI reduz ao vazio o conteúdo significativo de suas proposições, mas nem por isso as reduz ao nada: permanece a forma, que é a forma de um gesto que mostra, que quer deter a patologia antes que seu sintoma possa aparecer.
Psicopatologia da linguagem em WII
Ao silêncio sucede o silêncio. Após escrever o Tractatus, WI desaparece como que prisioneiro da altitude a que chegou. E como poderia voltar se jogou fora a escada? Deixemo-lo, nós também, portanto.
As Investigações Filosóficas aparecem como uma reação violenta, por vezes jocosa, ao acontecimento que acabamos de, própria ou impropriamente, comentar. WII sabe que há uma brecha na tirania do Tractatus. Aplica-lhe a própria medicina: “não suba pela escada!”. É que a concepção da linguagem do Tractatus, atomística e transitiva, tal como aquela de Santo Agostinho, é questionável. A linguagem não funciona como WI pensava, ninguém diz desse modo e, logo, a sentença de silêncio da famigerada 6.53 só incide sobre o próprio silêncio: “Santo Agostinho descreve, poderíamos dizer, um sistema de comunicação; só que nem tudo aquilo a que chamamos linguagem é este sistema” (§2)
Nesse caso, WI e WII são como duas faces da mesma moeda. Isso se torna bastante claro quando percebemos o resultado final das Investigações: tornar impossível que os problemas filosóficos apareceçam, pois a filosofia não é um jogo de linguagem, mas um equívoco suscitado por se perder de vista a multiplicidade dos jogos de linguagem. Por exemplo, acerca do grande problema da atomística lógica suscitado por palavras como “este”, se pergunta WII: “como é que se chega à idéia de querer fazer precisamente desta palavra um nome, quando ela obviamente não é um nome?” (§39) Ora, WI admitia a existência de problemas filosóficos, que determinado uso da linguagem poderia resolver. WII vai ainda mais longe, é o uso da linguagem que torna os problemas filosóficos destituídos de sentido ab ovo.
Mas esse não-sentido não tem mais a forma um tanto quanto mística que WI lhe dava. Ao contrário, assume contornos patéticos:
Um problema filosófico tem a seguinte forma: “Não me sei orientar”
De nenhuma maneira deve a Filosofia tocar no uso real da linguagem; só o pode enfim descrever.
Assim, também não o pode fundamentar.
A Filosofia deixa tudo ser como é. (§ 124)
Mas se é assim, então WII precede WI, logicamente. Isso se vê claramente pelo fato de que a terapêutica do Tractatusera, se bem que um tanto quanto anedoticamente, um modo legítimo de resolver os problemas de linguagem através do uso da mesma: o correto uso dos símbolos (teoria dos tipos) não gera paradoxos. Mas como se poderia chegar a um correto uso da linguagem senão através de um mau uso? WI sempre poderia dizer “não faça isso”, mas não poderia esperar que o paciente o obedecesse. Esse problema, pouco visível à superfície do texto, é resolvido por WII ao dizer: “eis um louco, um homem que se inflige uma dor desnecessária”.
Para WI, o não-sentido parecia ameaçar recobrir quase todo o campo da linguagem. Era preciso salvar ao menos uma região, a da linguagem denotativa, de seu mau uso ordinário. O não-sentido era a regra, o sentido a exceção. Assim o projeto de uma linguagem ideal e a filosofia de uma linguagem ideal eram esforços justificáveis. E se permanece a dúvida de se WI pode se incluído entre os desenvolvedores desse projeto, é indubitável que ele o respeitava o respondia ao seu modo próprio.
Em WII, a situação se inverte: em todo lugar há sentido e sanidade, menos nessa região onde problemas dessa ordem surgem. Os filósofos são loucos com os quais não vale a pena se ocupar — ele menos não seria menos louco se fizesse o contrário. Daí o inverso do projeto de Frege: é preciso deixar a linguagem tal como é. E o máximo que se pode fazer é descrevê-la tal como é. Não é certo que Russel tenha compreendido a violência desse ataque, mas certamente acreditava que Wittgenstein deixara de ser filósofo.
O único problema filosófico é que haja problemas filosóficos, poderíamos dizer, parafraseando o poeta. Mas problemas filosóficos são destituídos de sentido. Logo, não há problemas filosóficos. Ao menos quanto à Filosofia, a sentença de silêncio permanece e o enigma se renova.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico/ Investigações Filosóficas. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian.
[1] Daqui em diante, WI e WII.
[2] Russel não deixará de lamentar essa “viragem” que fez com que seu principal interlocutor deixasse de se ocupar com os problemas da filosofia séria.
[3] Cálculo Proposicional Clássico.
[4]Tractatus Logico-Philosophicus, 6.54. Daqui em diante a referência segue a numeração das suras para o Tractatus e a numeração dos parágrafos para as Investigações, o que diante de traduções e edições diversas permite uma melhor localização pelo leitor.
[5]Afinal é o mesmo projeto idealizado por Leibniz.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Filósofo do dia: Immanuel Kant
Nasceu neste dia 22 de abril o grandes filósofos Immanuel Kant.
A obra de Kant pode ser dividida em três momentos:
Período pré-crítico: Vai dos primeiros escritos de filosofia natural até a Dissertatio de mundi sensibilis atque inteligibillis forma et princiipis de 1770.
Período crítico: Compreende as três grandes Críticas: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica da faculdade de julgar e obras extravagantes.
Últimos escritos: há um conjunto de escritos que deveriam formar uma grande obra, mas que permaneceram inéditos e são hoje conhecidos como Opus Postumum.
Característica marcante do pensamento de Kant foi o idealismo formal com o qual ele pretendia resolver a disputa de racionalistas e empiristas em torno do problema da origem do conhecimento. A solução kantinaa consiste em afirmar que, embora todo o nosso conhecimento comece pelos sentidos, nem todo ele se origina a partir dos sentidos. Com isso se resolvia, ao menos a seus olhos, a dificuldade empirista em explicar a origem dos conhecimentos matemáticos e a obscuridade da noção de "ideias inatas" dos racionalistas.
O apriorismo kantiano tem, pois, a característica de não ser nem inatista nem abstracionista: nenhum conteúdo pertence à razão por natureza, mas a razão tem uma natureza formal apta a receber o conteúdo dos sentidos.
A partir daí segue-se que a metafísica é uma impossibilidade racional, ou melhor, uma ilusão da razão projetada a partir de um impulso natural para exceder seus limites legítimos.
E, contudo, se a filosofia especulativa podia bem passar sem o apelo às ilusões metafísicas, a filosofia prática não o poderá. Embora tente construir uma filosofia moral com base nos mesmos pressupostos da filosofia especulativa, ou seja, no idealismo formal, restará a necessidade de recuperar as ideias metafísicas de Deus e da liberdade no conhecimento prático. Introduz-se aí, talvez, pela primeira vez a noção de "ficção racional": se não podemos conhecer especulativamente a liberdade, e´preciso agir "como se" fossemos de fato livres.
Daí em diante, parece-me, o problema da ficção racional domina mais e mais a obra de Kant: da questão da teleologia na última crítica aos desdobramentos desse problema no Opus Postumum.
A obra de Kant pode ser dividida em três momentos:
Período pré-crítico: Vai dos primeiros escritos de filosofia natural até a Dissertatio de mundi sensibilis atque inteligibillis forma et princiipis de 1770.
Período crítico: Compreende as três grandes Críticas: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica da faculdade de julgar e obras extravagantes.
Últimos escritos: há um conjunto de escritos que deveriam formar uma grande obra, mas que permaneceram inéditos e são hoje conhecidos como Opus Postumum.
Característica marcante do pensamento de Kant foi o idealismo formal com o qual ele pretendia resolver a disputa de racionalistas e empiristas em torno do problema da origem do conhecimento. A solução kantinaa consiste em afirmar que, embora todo o nosso conhecimento comece pelos sentidos, nem todo ele se origina a partir dos sentidos. Com isso se resolvia, ao menos a seus olhos, a dificuldade empirista em explicar a origem dos conhecimentos matemáticos e a obscuridade da noção de "ideias inatas" dos racionalistas.
O apriorismo kantiano tem, pois, a característica de não ser nem inatista nem abstracionista: nenhum conteúdo pertence à razão por natureza, mas a razão tem uma natureza formal apta a receber o conteúdo dos sentidos.
A partir daí segue-se que a metafísica é uma impossibilidade racional, ou melhor, uma ilusão da razão projetada a partir de um impulso natural para exceder seus limites legítimos.
E, contudo, se a filosofia especulativa podia bem passar sem o apelo às ilusões metafísicas, a filosofia prática não o poderá. Embora tente construir uma filosofia moral com base nos mesmos pressupostos da filosofia especulativa, ou seja, no idealismo formal, restará a necessidade de recuperar as ideias metafísicas de Deus e da liberdade no conhecimento prático. Introduz-se aí, talvez, pela primeira vez a noção de "ficção racional": se não podemos conhecer especulativamente a liberdade, e´preciso agir "como se" fossemos de fato livres.
Daí em diante, parece-me, o problema da ficção racional domina mais e mais a obra de Kant: da questão da teleologia na última crítica aos desdobramentos desse problema no Opus Postumum.
domingo, 21 de abril de 2013
II Encontro da Escola Austríaca do Distrito Federal: Palestras do prof. Ubiratan Iorio e de Leandro Roque
Prof. Ubiratan Iorio |
Na manhã de ontem tivemos a honra de receber aqui em Brasília o professor Ubiratan Iorio, diretor
acadêmico do IMB. Sua palestra sobre a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) foi uma oportunidade de iniciação para aqueles que estão conhecendo agora a Escola Austríaca e de aprofundamento para os que já conhecem. Com bom humor e clareza, o prof. Iorio expôs os principais elementos da TACE, as diferenças dela para teorias alternativas (keynesianas e monetaristas) e as razões que a tornam a melhor explicação para os ciclos econômicos.
Após um breve coffee break, Leandro Roque, editor e tradutor do IMB, apresentou uma análise dos dados da economia brasileira através da TACE. Com o mesmo rigor que caracteriza seus artigos publicados no Instituto, Roque nos ofereceu um panorama da situação atual que nos encontramos, dos efeitos da atuação do Banco Central na oferta monetária, mas frisando, sobretudo, a capacidade dos bancos (públicos ou privados) criarem moeda através dos sistema conhecido como "reservas fracionárias". Confesso que pouco entendo dessas coisas (SELIC, mercado interbancário, M2 etc) e justamente por isso a palestra do Leandro me foi extremamente proveitosa.
Hélio Beltrão |
Encerradas as atividades da manhã, ainda tivemos uma última oportunidade de conversar com os membros do IMB na Livraria Cultura numa mesa redonda que contou com a presença adicional de Helio Beltrão, presidente do Instituto.
Estou certo que todos os que participaram de um ou mais eventos deste II Encontro ficaram hoje se sentem revigorados e prontos para levar adiante o pensamento austríaco.
Resta agradecer ao Daniel Marchi, coordenador do Grupo de Estudos da Escola Austríaca do Distrito Federal por seu empenho em organizar o evento e aos demais membros que gentilmente me receberam e com os quais pude ter, neste fim de semana, longas e boas conversas sobre a EA.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
II Encontro da Escola Austríaca de Brasília: Palestra de Bruno Garschagen
palestra de Bruno Garschagen.
O que posso dizer é que, estando a dez anos envolvido em eventos acadêmicos, poucas vezes vi um evento no qual a discussão racional, a clareza argumentativa e a retidão de pensamento estivessem tão presentes quanto neste.
Com invejável limpidez, Bruno nos ofereceu um diagnóstico da situação atual do ensino no Brasil, de sua vida intelectual e as razões para a situação atual.
Fosse para sintetizar em uma máxima a palestra esta seria: é preciso, para escolher uma visão de mundo , ter contato com uma multiplicidade de visões. Infelizmente, o que a academia hoje oferece é a visão hegemônica das esquerdas: o sonho de Gramsci tornado realidade.
Resta esperança? Mas é claro! Se numa sexta à noite foi possível quase lotar o auditório do IESB de defensores da liberdade, sempre há de haver esperança.
Daqui a pouco, às 08: 30 o encontro prossegue com a conferência do Prof. Ubiratan Iorio no IESB e, logo a seguir, uma conversa com Leandro Roque, editor e tradutor do IMB.
Estarei lá e relato desse grande evento para vocês.
II Encontro da Escola Austríaca do Distrito Federal
Começa hoje o II Encontro da Escola Austríaca do Distrito Federal. Não deixa de ser curioso que essa Brasília, tão dominada pelo estatismo e pelo funcionalismo público, seja uma dos primeiros lugares a formar um grupo sólido de pensadores em torno da EA. Ou talvez por isso mesmo: de tal ordem é a presença do poder público no Distrito Federal, de tal modo sua presença é constante, que aqui, mais que em outros lugares, a visão austríaca prospera a cada dia. E, prospera, vejam, justamente entre os servidores do estado. Incoerência? De forma alguma. Quem estaria mais apto a perceber os males do gigantismo estatal senão aqueles que estão dentro da máquina? Pois o que nos causa aversão não é a ineficiência do Estado para o bem (deixamos isso aos sociais-democratas), mas a grande eficiência estatal para o mal.
Por isso este II Encontro é uma conquista. Uma conquista principalmente daqueles que iniciaram este grupo.
Na programação de hoje, teremos o privilégio de receber Bruno Garschagen (Podcaster do IMB, colunista dos sites OrdemLivre.org e O Insurgente).
A palestra será aberta ao público e ocorrerá no IESB, L2 Norte e começará às 19:00.
Estão todos convidados.
Estarei lá e amanhã relato como foi a palestra!
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Socialismo do século XXI
Venezuela: Depois do Chaves o Girafales |
Pois é... numa eleição em que não faltaram milhares de denúncias de fraudes, o Sr. Nicolas Maduro, já
ilegal e interinamente na presidência da Venezuela, conseguiu dar ares de legitimidade à ditadura bolivariana.
Não conheço a Venezuela e pouco sei desse senhor que veio à cena durante aquela tragicomédia que foi a enfermidade de Hugo Chaves, mas há alguns fatos que não se pode ignorar:
1º) Desde que Hugo Chaves não compareceu à sua posse, a Venezuela está sob ditadura civil-militar e assim permanece;
2º) Depois de estatizar os meios de comunicação, instituir milícias armadas e comprar as Forças Armadas, o bolivarianismo, mal esfriou o cadáver de seu inventor, já é coisa do passado: a vitória apertada e, sobretudo fraudulenta, de Maduro obrigará a gangue dos bolivarianos a sustentar seu poder à força;
3º) Maduro é um mero fantoche nas mãos de uma elite corrupta, ligada ao narcotráfico e sustentada politicamente por figurões da esquerda latino-americana: O sr. Luis Inácio e a sra. Cristina Kirchner principalmente.
4º) Não há muito o que se comemorar na queda do "socialismo do século XXI". Ele nada mais é que uma caricatura, cuja "virtude" é fazer parecer os partidos socialistas como de "centro". E por aí avança o socialismo do século XIX na Argentina; e por aí avança o socialismo do século XX (aquele de Gramsci) no Brasil.
Vem bem a propósito que o Instituto Mises tenha publicado ontem um texto de seu patrono contra sobre as principais teses de Marx. É preciso retomar a luta (intelectual é claro) contra essas ideias tão velhas quanto estapafúrdias que infelizmente ainda povoam a mente de gente sem conhecimento em economia e carente de discernimento lógico. É preciso mostrar uma vez mais que as teorias de Marx sobre a mais-valida, a classes sociais e a história são completamente destituídas de sentido ou, no melhor dos casos, evidentemente falsas.
Quanto ao caso venezuelano, as melhores análises a que tive acesso são as do colunista Reinaldo Azevedo. É dele a tese, que já atravessou o Atlântico, segundo a qual o chavismo, agora moribundo, se converte em uma pura e simples ditadura militar.
terça-feira, 16 de abril de 2013
David Gordon - Mises contra Marx
Se instados a citar o principal crítico do marxismo, a maioria dos economistas simpáticos ao livre mercado iria mencionar Eugen von Böhm-Bawerk, que em seu tratado Capital and Interest (Capital e Juro) e em seu folheto Karl Marx and the Close of His System (Karl Marx e o Fim do Seu Sistema) demoliu por completo a teoria do valor-trabalho, o sustentáculo da economia marxista.
Mas a teoria do valor-trabalho é apenas uma parte do marxismo. E quanto ao resto do sistema? É aqui que se faz necessário analisar a obra do maior e melhor aluno de Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises, cuja análise devastadora do marxismo é de inigualável excelência. Sua contribuição à crítica do marxismo é encontrada principalmente em dois de seus livros: Socialismo e Teoria e História.
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Artigo completo em Instituto Ludwig von Mises Brasil
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Filósofo do dia: Émile Durkheim
dos fatos sociais a obra de Durkheim que, diga-se de passagem, não avançou muito desde então. Pior, deixado em segundo plano e preterido em favor ora do marxismo, ora de versões ainda mais bizarras e irracionalistas, a Sociologia se converteu, entre nós, em pouco mais que uma reunião de preconceitos filosóficos.
Ler Durkheim é extremamente prazeroso. Nele encontramos aquela probidade intelectual, aquele genuíno amor ao conhecimento sem o qual não se faz boa filosofia e, muito menos, boa ciência.
Recomendo muito O Suicídio.
sábado, 13 de abril de 2013
PAS - 2013 - Obras de Filosofia
Para meus alunos que vão prestar o vestibular seriado da UnB (PAS) este ano, são as seguintes as obras de
Filosofia:
Sófocles - Antigona (1º Ano)
Filosofia:
Sófocles - Antigona (1º Ano)
Já que literatura grega não é um componente curricular do Ensino Médio, suponho que que essa obra tenha que ser trabalhada em Filosofia. Trata-se da trágica história dos filhos incestuosos de Édipo e Jocasta (Antígona, Polinice e Etéocles), dramatizada em uma peça de teatro que levanta a questão da oposição entre o direito (e as obrigações) sagrado e religioso e o direito positivo e civil.
Obra disponível aqui: http://www.lpm.com.br/livros/Imagens/antigona2010.pdf
Platão - Apologia de Sócrates (1º Ano)
Embora possa haver confusão já que existe uma obra de idêntico título de Xenofonte, é certo que a Apologia de Sócrates recomendada aqui é a que foi escrita por Platão. Trata-se da descrição e transcrição do julgamento do filósofo que, acusado de impiedade e de corromper a juventude, tem de defender-se perante seus pares atenienses sob pena de morte.
Obra disponível aqui: http://www.revistaliteraria.com.br/plataoapologia.pdf
Maquiavel - O príncipe (1º Ano)
Obra fundadora da moderna filosofia política e precursora da ciência política, esse é o mais popular escrito do filósofo florentino. A importância da obra está em abandonar o caráter normativo da filosofia política e se concentrar em problemas de fato, a saber, a conquista e manutenção do poder político. Não pode ser incluída entre as apologéticas do absolutismo já que não faz uma defesa do direito dos reis, mas tenta responder ao fato do poder, de como pode se conquistado e mantido.
A obra está visivelmente muito deslocada em relação ao conteúdo curricular do primeiro ano de Filosofia, razão que nos leva a deduzir que está sendo recomendada pelo intertexto com a História e, talvez, com a Sociologia.
Obra disponível aqui: http://www.culturabrasil.org/zip/oprincipe.pdf
Voltaire - Cândido ou o otimismo (2º Ano)
Os alunos que começaram o PAS ano passado têm uma carga mais pesada em termos de literatura filosófica. A começar por esse romance de François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire. Um dos mais conhecidos iluministas franceses, Voltaire foi o porta-voz do Esclarecimento e uma das vozes mais influentes na Europa setecentista. Neste romance, em que não falta o sarcasmo e o humor próprios do filósofo, Voltaire contesta a tese a tese otimista de Leibniz, segundo a qual este é "o melhor dos mundos possivies" e tudo ocorre sempre da melhor forma. O romance deve ser lido, principalmente quanto a seu desfecho, como uma crítica virulenta da metafísica.
Obra disponível aqui: http://www.cdbb.com.br/brasilia/wp-content/uploads/candido_ou_o_otimismo1.pdf
Locke - Ensaio sobre o entendimento humano (2º Ano)
Um dos principais trabalhos do filósofo inglês John Locke, o Ensaio sobre o entendimento humano apresenta sua famosa tese da "tábula rasa", segundo a qual todos os seres humanos nascem absolutamente desprovidos de qualquer ideia ou conhecimento. Contra a tese das ideias inatas, defendida por Descartes e outros racionalistas, Locke propõe que todo o nosso conhecimento deriva da impressões dos sentidos. Vindo de uma tradição que remonta a Francis Bacon, esse tratado de Locke serviu de inspiração ao movimento empirista britânico que culminará na obra cética de David Hume.
Obra disponível aqui: http://www.cdbb.com.br/brasilia/wp-content/uploads/ensaio_sobre_entendimento_humano_john_locke1.pdf
Descartes - Discurso do método (2º Ano)
René Descartes, físico, matemático e filósofo, foi o ícone máximo e fundador do racionalismo moderno. Seu Discurso sobre o método, ou Discurso do método, apareceu como um tipo de introdução aos trabalhos matemáticos e físicos do filósofo (Dióptica, Meteoros e Geometria). Assistimos nele ao nascimento da moderna concepção do método científico enquanto a própria ciência moderna começava a ser construída pelo trabalho do seu contemporâneo Galileu Galilei. O ponto principal da obra está na concepção de que o sujeito, a razão humana, é o elemento fundador do conhecimento: conhecer é um ato que supõe um sujeito e todo conhecimento é dependente da evidência primeira desse sujeito e de sua atividade cognitiva.
Obra disponível aqui: http://www.cdbb.com.br/brasilia/wp-content/uploads/o_discurso_do_metodo1.pdf
***
O quanto pudermos trabalharemos estas obras este ano, de modo que vou disponibilizar cópias impressas das mesmas em breve. Aqueles que conseguem ler no formato .pdf já podem desde já acessar as obras e começar a leitura.
A partir do segundo semestre postarei comentários regulares sobre essas obras para auxiliar a leitura, mas é imprescindível que o candidato leia os textos originais - é assim que se estuda filosofia!
Bons estudos!
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Filósofo do dia: Sêneca
Rubens. Der sterbende Seneca. 1612. |
A morte de Sêneca permanece
instrutiva para os que se dedicam à filosofia: mostra os riscos e
responsabilidades de um ofício, cujos louros são sempre colhidos pelos inaptos
e a infâmia pelos probos.
É verdade que o pouco
conhecimento que hoje se têm dos clássicos romanos anuviou o severo juízo
histórico sobre o filósofo: “homem corrupto, modelo de todas as baixezas”,
menciona Leoni[1]. Contrariamente à Cícero,
cujas autodefesas em irresistível oratória podem seduzir mesmo os admiradores
de César, de Sêneca restaram-nos somente suas reflexões filosóficas e as
acusações contra seu caráter.
A juventude de Sêneca ele o
passou o tumultuado ambiente da formação do Império, quando ato após ato dos
césares, da República já se ia restando somente o nome e o senado se convertia
num conselho de intrigas. Vindo da Espanha, tal como Lucano, Quintiliano e
Marcial, Sêneca assistiu ao esse movimento que, de Augusto a Nero, seu algoz,
retirava ao Senado todas as prerrogativas.
Como é óbvio, a República não
caiu de um dia para a noite. Augusto,
fundando o império, deixou a seus sucessores a tarefa de consolidá-lo e
enterrar o ideal republicano, sob a sombra da guerra civil e do golpe de
estado. Tibério começou a perseguição aos seus adversários e Calígula, talvez
enlouquecido prodigalizou escândalos e crueldades. Teve de ser assassinado.
Veremos então o receio da própria morte ser carregada junto ao nome de César
como herança a corroer de paranoia o espírito de quase todos os imperadores.
Savolini. La morte di Seneca.1639 |
Chegando Calígula ao seu justo
fim, o exército e a guarda pretoriana elegeram seu tio Cláudio para sucedê-lo e
a República suspirou pela última vez. Não fosse por isso, o sonho ainda nutrido
no Senado de por fim à “dinastia” dos cesares teria restaurado a República. Mas
então a fonte do poder já havia se deslocado, do Senado e das Leis, para o
Exército e a força: foi quando César atravessou o Rubicão lançando ao ar, ou
melhor, à guerra a sorte de Roma – alea ajacta
est! -
Tendo adotado Nero, filho de sua
segunda mulher Agripina, como herdeiro e sucessor, Cláudio morre, provavelmente
envenenado, sem poder revogar o ato. A ideia, terrível a um século atrás, de
uma monarquia hereditária, já se havia estabelecido e o bastardo se torna
imperador de Roma, praticamente ainda uma criança. Sêneca que fora desterrado
graças às intrigas da primeira mulher de Cláudio, Messalina, retorna a Roma a
pedido de Agripina para ser tutor de Nero, ainda antes que este tenha subido ao
trono.
Sêneca passa a conselheiro quando
Cláudio, graças a Agripina, torna-se deus ao comer cogumelos[2].
Passados os primeiros bons anos do
governo de Nero, em que a influência de Sêneca e Afrânio, mitigaram a sordidez
do príncipe, a sordidez de Agripina conduz o império à loucura: tanto fez essa
mulher que foi morta pelo próprio filho e Afrânio fora talvez envenenado. Sem
nada mais poder fazer, Sêneca pede ao imperador para se retirar da vida
pública.
Mesmo no isolamento, contudo,
Sêneca não escapou da paranoia de Nero e, quando em 65 a.d, uma conjuração é
descoberta contra o imperador, é também contra o antigo preceptor que a ira de
César desaba. Leoni, com base nos Anais de Tácito, narra os últimos momentos do
filósofo:
David. La mort de Sèneca. 1773 |
“O núncio imperial foi pela tarde
à ‘vila’ suburbana de Sêneca, enquanto este jantava com a esposa e dois amigos.
Introduzido, o núncio expõe a acusação de ter Sêneca participado da conjuração.
O velho nega energicamente e pede ao tribuno que lembre a Nero como ele não
tinha espírito dado à mentira, quer por adulação quer por servilismo. Volta daí
a pouco o tribuno com a ordem fatal. Sêneca não se abala e pede as tábuas do
testamento; tendo respondido que lhe é vedado, dirige-se aos amigos: “Se não me
é dado atestar-vos de outra forma meu reconhecimento, deixo-vos o que posso: a
imagem de minha vida virtuosa’. E consolando os amigos desesperados, abraça a
esposa, Pompéia Paulina: esta pede a graça de morrer com ele. Um mesmo golpe
corta as veias de seus braços. Mas do corpo do velho exausto lentamente saía
sangue: outras veias são cortadas para apressar a morte; e ele mesmo continua a
falar, ditando palavras que, no dizer de Tácito, se tornaram populares. À esposa,
no entanto, transportada para outro quarto, por ordem do imperador lhe foi
impedida a morte. Sêneca, vendo que as muitas feridas não bastavam, bebe uma
porção de veneno; em seguida, toma banho de agua quente, depois um banho de
vapores quentes: faltam-lhe as forças e adormece, placidamente, no sono da
morte”[3]
Os estoicos, tendo colhido de
Sócrates esse bom ensinamento sobre a morte, souberam pô-lo em prática, e
Sêneca, talvez o maior dos estoicos romanos, tem a morte a mais semelhante a do
antigo mestre grego. As obras de Sêneca são, assim, um convite à arte do bem
viver e do bem morrer.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
R.I.P. Margareth Tatcher
Faleceu hoje aos 87 anos a "Dama de Ferro", a baronesa Margareth Thatcher, ex-primeira-ministra britânica.
Certamente uma grande perda para o mundo liberal.
Muitos libertários têm criticado o liberalismo dos anos 80 como insuficiente. Bom, isso bem pode ser verdade, mas é verdade também que o mundo seria mais livre e próspero hoje se o legado de pessoas como Thatcher houvesse se prolongado.
E, como um pequeno passo no caminho da liberdade é um grande feito, essa mulher merce nossa homenagem e admiração.
Descanse em paz, dama de ferro!
Filósofo do dia: Edmund Husserl
A obra de Husserl é densa e difícil e, talvez por isso, é pouco traduzida, pouco conhecida e menos ainda compreendida entre os trópicos.
Doutor em Matemática, Husserl resolveu se dedicar à Filosofia devido a influência de Franz Brentano, talvez o maior dos aristotelistas do século XIX. Ainda assim, os primeiros trabalhos de Husserl se inscrevem no campo da Filosofia da Matemática: Sobre o conceito de número e Filosofia da Aritmética.
Confesso: não li tais obras, que, creio, sequer foram traduzidas para o português. Mas li algumas das Investigações Lógicas que ainda considero o ponto alto do pensamento de Husserl.
As obras posteriores, das quais conheço as Idéias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica e as Meditações Cartesianas parecem constituir um tipo de viragem no interior do pensamento do filósofo, inclusive contra temas de suas obras anteriores e de seu mestre Brentano. Embora instigantes a meu ver, carecem um pouco daquela clareza matemáticas das Investigações de modo que, obscurecidas, talvez, por um vocabulário hermético, nunca me parecerão atingir seu objetivo: a fundamentação última e definitiva da Ciência.
Seria precipitado concluir que o projeto fundacional de Husserl tenha fracassado, mas o fato de que seus principais discípulos tenha se desviado para uma filosofia literária e quase mística aponta um estranho paradoxo: reconhecido como precursor e mestre para pensadores tão diferentes quanto Heidegger, Sartre e Derrida, o pensamento de Husserl permanece em grande parte estranho e idiossincrático frente a esses projetos.
Quanto a Mises, resta ainda investigar que conhecimento o filósofo-economista austríaco tinha da obras de Husserl e o que impacto esta pôde ter sobre seu pensamento.
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